1946 - RENAULT 4CV

Os veículos clássicos sempre ocupam um lugar especial em nosso site. São pedaços da história do automóvel e fragmentos do legado das marcas. Trata-se de peças chave na tradição de fabricantes como a Renault. Hoje falamos de um modelo mítico na história da marca francesa, o 4CV, que agora celebra o seu 75º aniversário.
Quando este veículo surgiu, na década de 40 do século passado, a França e meia Europa estavam em uma situação econômica e industrial lamentável. Havia terminado a Segunda Guerra Mundial e alguns países, como era o caso da França, estavam completamente destruídos. Pouco a pouco, começava a reconstrução industrial de fábricas, como a de Billancourt, que estava em ruínas depois da guerra.
Naquela época, a Renault estava em mãos do Estado francês, que pretendia que a marca continuasse fabricando modelos industriais, como havia sido até aquele momento. No entanto, o presidente da empresa francesa, Pierre Lefaucheux, tinha outros planos: produzir em série um carro pequeno e de baixo custo para motorizar a França e devolver à Renault o status de fabricante de carros de passeio.
O modelo escolhido foi um protótipo com motor traseiro, construído em segredo durante a Segunda Guerra Mundial. Lefaucheux mandou potenciar o projeto do automóvel denominado 4CV (Quatre Cheval Fiscale), que foi apresentado no Salão de Paris de 1946.
Os primeiros 4CV contavam com apenas duas portas. Seu capô dianteiro arredondado lembrava o Volkswagen Beetle e assim como o modelo alemão, o Renault tinha o motor na parte traseira. No entanto, era refrigerado por água e se tratava de um propulsor de 4 cilindros em linha, com uma cilindrada que encostava nos 750 cm3. Desenvolvia 19.2 cv a 4.500 rpm. O baixo peso do veículo, com somente 442 quilos, permitiu alcançar brilhantes cifras de consumo.
Os protótipos de fevereiro de 1944, já exibiam os típicos para-lamas alargados com faróis integrados. A parte frontal também era mais plana e, portanto, lembrava a versão de produção posterior. A carroceria continuava tendo duas portas.
Os primeiros problemas com o 4CV foram internos. Membros da direção da empresa quiseram fabricar o sedan de 11 cv, desenvolvido em paralelo com o 4CV. Seu argumento era simples: era más fácil ganhar dinheiro com um veículo grande que com um pequeno.
Lefaucheux, no entanto, pensava diferente: um veículo de grande produção em série dirigido a um amplo leque de clientes daria mais impulso à recuperação da Renault, que uma pequena série exclusiva para clientes endinheirados.
Desta forma, a tese de Lefaucheux foi imposta, mas com condições. Optou-se pelo 4CV, mas com carroceria de 4 portas, uma decisão muito corajosa, mas importante. Lefaucheux mandou instalar 29 novas linhas de produção, com um comprimento total de dois quilômetros.
Em princípio, o público reagiu com certa rejeição ao novo modelo, tão diferente de tudo o que a Renault havia fabricado anteriormente. Devido à sua pintura amarela pálida, os franceses o apelidaram como ‘La Motte de Beurre’ (pequeno pedaço de manteiga).
Entretanto, a escolha da cor não foi uma questão trivial, mas uma decisão calculada: os carros de pré-produção pretendiam destacar-se visualmente entre a monótona estampa das ruas de Paris, sempre repletas de carros pretos.
As primeiras 300 unidades chegaram aos concessionários franceses em 1947. Com apenas 3.66 metros, o 4CV era pouco mais comprido que um Renault Twingo moderno. O piso plano do veículo, sem um eixo de transmissão, oferecia um ótimo aproveitamento do espaço interior, o que permitia muita comodidade para os passageiros traseiros. Os vidros com abertura corrediça permitiam refrigerar o interior de forma simples e eficiente. O porta-luvas e as bolsas dos painéis das portas tornavam possível armazenar pequenos objetos.
A versão de produção equipava um motor de 760 cm3 que desenvolvia uma potência de 17 cv. Essa potência era transmitida ao eixo traseiro através de uma robusta transmissão de três velocidades. Com uma velocidade máxima de 90 km/h, o consumo médio era de 16.7 km/l, um número bastante marcante para a época.
A demanda começou a crescer, assim como os prazos de entrega, chegando aos 24 meses. Em abril de 1949, a produção do 4CV alcançou os 300 veículos diários, e em junho de 1950 já havia chegado aos 500. No dia 8 de abril de 1954, a Renault fabricou o 4CV número 500.000.
Enquanto isso, foram acrescentadas diversas versões à linha: a versão Luxe de 1949 incorporava, entre outras coisas, dobradiças do capô cromadas e vidros dianteiros rebatíveis. O 4CV Décapotable, que surgiu nesse mesmo ano, tinha um grande teto dobrável. Por último, a versão Grand Luxe de 1950 contava com um motor de 21 cv e oferecia um estofamento de veludo.
Seu sucesso foi tanto, que o mundo da competição também notou o pequeno 4CV. A combinação de baixo peso, dimensões compactas e boa tração, o predestinaram a participar das corridas. O 4CV venceu em sua categoria no Rally de Montecarlo em 1949, nas 24 Horas de Le Mans em 1951 e na Mille Miglia em 1952.
Os franceses não foram os únicos a sucumbir aos encantos do pequeno 4CV. Cerca de 20% da produção total era exportada. Também foi fabricado nas linhas de produção de Acton, no Reino Unido, de Haren, na Bélgica, e até no Japão, sob licença da Hino Diesel, de onde recebeu muitos pedidos dos Estados Unidos.
Em 1958 o 4CV voltou a celebrar: no final do ano saiu da linha de montagem o exemplar número 1 milhão. O 4CV foi o primeiro modelo da marca a alcançar esta cifra mágica. Quase que simultaneamente, a Renault fabricou o Dauphine número 500.000, o novo número um da empresa francesa. O final do ciclo do 4CV chegou de forma plácida no dia 6 de julho de 1961, depois de ter sido produzido um total de 1.105.543 unidades.
A produção do sucessor começou um mês mais tarde. Também se tornou uma lenda do automobilismo e demonstrou ser um digno herdeiro. Tratava-se do Renault 4, mas isso é outra bela história.