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No alvorecer do século XX, a Alemanha vivia um período de efervescência industrial. As invenções mecânicas se multiplicavam, e a recém-criada Daimler-Motoren-Gesellschaft (DMG) - uma das antecessoras da atual Mercedes-Benz - estava entre as empresas que redefiniam o que significava mobilidade. Foi nesse cenário de ousadia e experimentação que nasceu, em 1907, um veículo destinado a um papel tão inusitado quanto revolucionário: o Dernburg-Wagen.

O nome remete a Bernhard Dernburg, diplomata e político alemão que, à época, servia como Secretário de Estado das Colônias. Sua missão era supervisionar as possessões ultramarinas do Império Alemão, especialmente na África Sudoeste Alemã - território que hoje corresponde à Namíbia. As condições de terreno eram brutais: trilhas de areia fofa, lama, pedras e longas distâncias sob calor escaldante. Nenhum automóvel convencional da época resistiria a tal jornada.

Dernburg, consciente dessa limitação, procurou a Daimler para criar um veículo sob medida - robusto, confiável e capaz de enfrentar o inóspito terreno africano. Assim surgiu o Dernburg-Wagen, um projeto que, embora concebido como uma ferramenta diplomática, acabou se tornando uma das mais visionárias criações da indústria automobilística.

Construído sobre um chassi reforçado e equipado com tração nas quatro rodas, o Dernburg-Wagen é considerado o primeiro veículo 4x4 da história. O sistema, completamente mecânico, utilizava eixos cardan e diferenciais que permitiam distribuir a potência para as quatro rodas - um feito de engenharia inédito para a época. Sob o capô, um motor de 35 cv movia o veículo, o que pode parecer modesto hoje, mas era uma proeza impressionante diante de seu peso e complexidade mecânica.

O design também refletia a transição entre o luxo e a utilidade: a carroceria, construída pela própria Daimler, possuía linhas elegantes, com uma cabine fechada para os passageiros e um compartimento dianteiro aberto para o motorista e o mecânico - uma disposição típica dos automóveis de prestígio da época. Mas o que realmente o distinguia eram seus grandes pneus de seção alta e o vão livre elevado, capazes de atravessar terrenos que fariam qualquer carro urbano de 1907 desistir.

Ao chegar à África, o Dernburg-Wagen cumpriu sua missão com bravura. Tornou-se o primeiro automóvel a rodar por terras africanas com tração integral - e provou que o conceito de ‘carro todo-terreno’ era mais do que um sonho futurista. Sua construção serviu de base para experimentos militares e civis nas décadas seguintes, pavimentando o caminho para veículos como o Mercedes-Benz G Class, lançado quase 70 anos depois e considerado seu herdeiro espiritual.

Embora apenas uma unidade tenha sido construída, o Dernburg-Wagen permanece como um símbolo de pioneirismo. Hoje, é lembrado nos arquivos da Mercedes-Benz como o ancestral mais remoto da linhagem off-road da marca.

Curiosamente, a denominação ‘Daimler Dernburg-Wagen’ e ‘Mercedes Dernburg-Wagen’ aparecem de forma intercambiável nos registros históricos. À época, a marca ‘Mercedes’ já era utilizada nos automóveis da Daimler, mas a empresa ainda operava sob o nome Daimler-Motoren-Gesellschaft. Assim, ambas as designações estão corretas - uma reflete o fabricante, a outra o nome comercial que se tornaria lendário.

Mais de um século depois, aquele veículo de aparência rudimentar e missão diplomática é reconhecido como o primeiro SUV do mundo - um pioneiro que antecipou toda uma categoria de automóveis que hoje domina as estradas e cidades do planeta.

Vale esclarecer e como uma curiosidade, o Dernburg-Wagen original não sobreviveu até os dias atuais, mas uma reprodução exata foi construída pela Mercedes-Benz Classic e hoje está exposta no Museu Mercedes-Benz, em Stuttgart, como testemunho de que o espírito de inovação da marca nasceu muito antes da era moderna. Veja abaixo o interessante vídeo contando um pouco da história do Dernburg-Wagen, vale a pena.