
A História do AC Cobra e AC Shelby Cobra: Uma Lenda Automotiva Nascida da Ambição e Inovação
O AC Cobra, também conhecido como Shelby Cobra ou AC Shelby Cobra, é um dos carros esportivos mais icônicos da história, uma fusão brilhante entre a engenhosidade britânica e a potência americana. Produzido a partir de 1962, o Cobra é o resultado de uma parceria entre a AC Cars, um fabricante britânico, e Carroll Shelby, um visionário piloto e construtor americano. Esta é a história de como um roadster leve se transformou em uma lenda das pistas e das ruas, redefinindo o conceito de carro esportivo.
Origens: O AC Ace e a Visão de Carroll Shelby
A história do Cobra começa com o AC Ace, um roadster de dois lugares lançado pela AC Cars em 1953. O Ace era um carro elegante, com chassi tubular de aço e carroceria de alumínio moldada à mão, equipado inicialmente com motores de 6 cilindros em linha da Bristol, derivados de um projeto pré-guerra da BMW. Embora sofisticado, o motor Bristol era considerado ultrapassado no início dos anos 1960, e a descontinuação de sua produção em 1961 deixou a AC Cars em busca de alternativas. A empresa experimentou motores Ford Zephyr de 2.6 litros, mas eles não entregavam o desempenho necessário para competir com os esportivos mais avançados da época.
Enquanto isso, Carroll Shelby, um texano apaixonado por carros e velocidade, já havia se destacado como piloto, com vitórias notáveis, incluindo as 24 Horas de Le Mans de 1959, pilotando um Aston Martin DBR1. Após se aposentar das pistas em 1960 devido a problemas cardíacos, Shelby voltou sua atenção para a construção de um carro que combinasse a leveza e o design dos roadsters europeus com a potência dos motores V8 americanos. Ele viu no AC Ace a base perfeita para sua visão: um carro leve, ágil e capaz de superar o Chevrolet Corvette, então dominante nas pistas americanas.
Em setembro de 1961, Shelby contatou a AC Cars com uma proposta audaciosa: adaptar o chassi do Ace para receber um motor V8. A AC aceitou, desde que Shelby providenciasse o motor. Ele então negociou com a Ford, que estava interessada em desenvolver um carro esportivo para competir com o Corvette. A Ford forneceu o motor V8 Windsor de 4.3 litros (260 polegadas cúbicas), e assim nasceu o primeiro protótipo do AC Cobra.
O Nascimento do Cobra: O AC Cobra Mk I (1962)
Em fevereiro de 1962, o chassi do AC Ace foi enviado para a oficina de Shelby em Los Angeles, onde sua equipe instalou o motor Ford V8 e a transmissão em menos de oito horas. O resultado foi o primeiro AC Cobra, com chassi CSX2000, um carro que combinava um peso de apenas 1.000 kg com a potência bruta de 260 cv. O Cobra Mk I impressionou imediatamente, com uma aceleração de 0 a 100 km/h em cerca de 5 segundos e uma velocidade máxima superior a 240 km/h, números impressionantes para a época.
Os primeiros 75 exemplares do Cobra Mk I foram equipados com o motor 4.3 litros, enquanto os 51 subsequentes receberam o V8 de 4.7 litros (289 polegadas cúbicas), que entregava 271 cv. A produção era artesanal: a AC Cars enviava os chassis completos, mas sem motor e câmbio, para Shelby, que finalizava os carros nos EUA. Apesar de sua simplicidade, com ausência de itens como ar-condicionado ou capota, o Cobra conquistou entusiastas por sua performance pura e design minimalista.
Evolução: O Cobra Mk II (1963-1965)
Em 1963, o Cobra evoluiu para o Mk II, com melhorias significativas. O carro recebeu uma nova direção por pinhão e cremalheira (com componentes do MGB e até do Volkswagen Fusca) e uma suspensão traseira ajustada. O motor 289 V8 tornou-se padrão, oferecendo maior confiabilidade e desempenho. O Mk II dominou as pistas americanas, frequentemente superando o Corvette, e alcançou um respeitável sétimo lugar geral nas 24 Horas de Le Mans de 1963, vencendo sua classe. No entanto, a aerodinâmica limitada do Cobra o impedia de competir com os Ferraris em pistas de alta velocidade como Le Mans.
Shelby tentou equipar o Cobra com um motor Ford FE de 6.4 litros (390 polegadas cúbicas), mas o piloto Ken Miles considerou o carro “virtualmente impossível de dirigir”, apelidando-o de ‘The Turd’. Isso levou ao desenvolvimento de um novo chassi, que resultaria no Cobra Mk III.
O Auge: O Cobra Mk III
Em 1965, o Cobra Mk III foi introduzido, com um chassi redesenhado usando tubos de 4 polegadas (em vez de 3) e suspensão por molas helicoidais, projetado para acomodar o poderoso motor Ford 427 V8 de 7.0 litros, que produzia 425 cv na versão padrão e até 485 na versão de competição. Com uma velocidade máxima de 262 km/h, o Mk III era uma fera nas pistas, embora apenas 56 dos 100 carros planejados tenham sido produzidos, devido a problemas financeiros e falta de homologação para corridas em 1965.
O Cobra Mk III também deu origem à lendária versão Daytona Coupe, projetada para melhorar a aerodinâmica e competir com os Ferraris em Le Mans. Embora o Daytona tenha vencido sua categoria em 1964, o Cobra Mk III não alcançou o sucesso comercial esperado, com muitos exemplares sendo convertidos para uso de rua (versão S/C, ou ‘semi-competition’).
O Fim da Produção e o Legado
A produção do Cobra original terminou em 1967, devido a custos elevados, novas regulamentações de segurança e a venda da marca Shelby para a Ford em 1968. Foram produzidos cerca de 900 Cobras no total, incluindo 75 Mk I, 528 Mk II e 300 Mk III (incluindo 27 AC 289 vendidos na Europa). Apesar do fracasso financeiro, o Cobra tornou-se um ícone, com exemplares originais atingindo valores de milhões de dólares em leilões - como o CSX2000, vendido por 13.75 milhões em 2016.
Desde os anos 1980, réplicas do Cobra, muitas licenciadas pela Shelby e pela AC Cars, mantêm a lenda viva. A AC Cars lançou modelos atualizados, como o Cobra GT Roadster de 2023, com motor Coyote V8 de 654 cv, e até uma versão elétrica de 625 cv, provando a longevidade do conceito.
Impacto Cultural
O Shelby Cobra não foi apenas um carro, mas um símbolo da fusão entre a elegância britânica e a potência americana. Sua fórmula - um motor grande em um carro leve - inspirou gerações de esportivos. A parceria entre Shelby, AC Cars e Ford também abriu caminho para outros ícones, como o Ford GT40 e os Mustangs Shelby. A história do Cobra é a história de Carroll Shelby, um homem que transformou sua paixão em uma lenda automotiva, desafiando gigantes como a Ferrari e redefinindo o que um carro esportivo poderia ser.