
A história do desenvolvimento da indústria automobilística está salpicada com nomes de homens cuja visão e tremenda capacidade provocaram mudanças fundamentais que em muitos aspectos afetaram nossas vidas. Um desses pioneiros da indústria automobilística foi Edward Gowan Budd, nascido em 1870 no estado de Delaware, Estados Unidos.
Edward G. Budd nasceu um pouco tarde para ser considerado um verdadeiro fundador da indústria automobilística, mas suas inovações no âmbito especializado da construção de carrocerias de veículos a motor podem ser consideradas como fundamentais para que o negócio do automóvel pudesse alcançar o tamanho e o sucesso que tem na atualidade.
Com 18 anos, Budd se mudou para a Filadélfia e começou a estudar engenharia mecânica no famoso Instituto Franklin. Budd era um aluno aplicado, e em 1899 começou a trabalhar na ‘American Pulley Company’ e se formou no mundo da chapa de aço e suas aplicações. Budd aprendeu que o aço prensado e corretamente manejado, poderia ser utilizado para substituir materiais tão tradicionais na indústria como a madeira e o ferro e que poderia ser um substituto mais leve, mais barato e mais eficaz, com uma infinidade de aplicações. Estas foram as melhores lições básicas que lhe serviriam em sua futura carreira.
Depois de um tempo na ‘American Pulley Company’, Budd se incorporou à ‘Hale & Kilburn Manufacturing Company’, outra empresa em rápido crescimento, especializada em técnicas de aço prensado, na produção de cubos de aço para a indústria ferroviária e na construção de vagões de trens. Exercendo a função de ajudante auxiliar nessa empresa, Budd também se dedicou a aprender por si mesmo as diversas técnicas e disciplinas relacionadas com o gás e a solda elétrica. Este conhecimento lhe foi muito útil na construção de milhares de vagões com carroceria de aço para a ‘Pullman Company’. Esses vagões eram mais leves, tinham uma melhor resistência em acidentes e tinham muito menos risco de incêndio que seus antecessores com carroceria de madeira.
Budd demonstrou sua habilidade como vendedor dos trabalhos realizados por sua empresa, ao conseguir vender painéis de carroceria de aço prensado para automóveis a Emil Nelson, engenheiro chefe da ‘Hupp Company’, em 1909.
A ‘Budd Company’
Um desacordo com a ‘Hale & Kilburn Manufacturing Company’ sobre até que ponto deveria seguir desenvolvendo alguns de seus conceitos, levou Budd a sair da empresa em 1912 para criar seu próprio negócio.
Há quem atribua erroneamente a Edward G. Budd e a Joseph Ledwinka (seu braço direito), a venda dos primeiros carros a motor produzidos totalmente com carroceria de aço. Isso não é de todo correto, já que muitos fabricantes de automóveis americanos estavam testando essa ideia na mesma época em que Budd fundou sua empresa. No entanto, o certo é que a ‘Budd Company’ foi a primeira a fornecer carrocerias totalmente de aço para carros de produção em série, obtendo um primeiro contrato com a Dodge, depois de já haver vendido alguns protótipos para a empresa de Charles Nash, o presidente da Buick e General Motors, à Willys-Overland, Garford, Studebaker, Franklin, Cadillac, Hupp e Oakland.
Efetivamente, a Dodge foi a primeira a encomendar volumes importantes de carrocerias de aço, com um primeiro pedido de 70.000 unidades em 1916 e um segundo pedido de 99.000 em 1917. Estes primeiros pedidos eram para as versões abertas, o Tourer. No entanto, era tal o frenético ritmo de crescimento da indústria automobilística nos Estados Unidos, que em 1916, Budd já fabricava carrocerias para a Dodge equipadas com um ‘teto duro e permanente de chapa de aço’ e em 1917 os projetistas da Budd já haviam desenvolvido uma carroceria tipo sedan, com estrutura de aço completamente fechada e com 4 portas.
No momento em que os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, a Budd tinha 2.000 pessoas empregadas em suas diversas fábricas e escritórios. A Dodge seguiu confiando na capacidade da Budd, ao colocar em produção em 1919 um sedan com carroceria de aço e apostou ainda mais forte em 1922 com a introdução de uma carroceria tipo coupe completamente de aço, fabricada para eles nas plantas da Budd. Em 1919 a Dodge alcançou seu recorde máximo de produção e em 1923 vendeu seu carro número 1.000.000, um sedan com carroceria totalmente de aço.
Budd e William Morris
Nos anos 20, as plantas de Budd ocupavam mais de três milhões de metros quadrados, uma só fábrica consumia 1.000 toneladas de cintas de aço por dia e em 1929, a ‘Budd Company’ tinha 600 máquinas trabalhando para fornecer carrocerias à crescente e insaciável indústria automobilística norte-americana. Apesar disso, Budd não era da classe de homens que ignorara outros mercados potenciais.
William Morris (mais tarde Lord Nuffield), visitou as fábricas de Budd em 1925 e regressou ao Reino Unido para criar a ‘Pressed Steel Company’ em Cowley. Budd proporcionou 50% do financiamento e manteve o controle técnico da empresa, que durou até ser finalmente absorvida pela BMC.
Budd e André Citroën
Inclusive, Citroën, um dos mais inquietos fabricantes europeus de automóveis, não se negou a colaborar e a aprender com Budd sobre suas técnicas para a produção de automóveis. Em 1924, André Citroën começou um período de colaboração com Budd e conduziu a introdução dos modelos da muito bem sucedida série ‘Traction Avant’.
Durante os anos 1929 e 1930, Budd demonstrou sua destreza em engenharia mecânica com a produção de um protótipo de carro com uma carroceria totalmente de aço e de tração dianteira, era o protótipo que foi desenvolvido por Citroën para tornar-se um dos carros mais populares da Europa até que foi substituído pelo majestoso Série D.
O confronto com a Renault
Outras licenças de Budd foram compradas por fabricantes europeus na Alemanha, França, Itália, Áustria, Checoslováquia, Polônia e Suécia. As relações e a transferência de ‘know-how’ a todas estas empresas europeias foram cordiais até que Budd topou com a Renault. Budd teve que denunciar a Renault através de uma empresa alemã em que tinha interesses, por infringir suas patentes no Renault Juvaquarte. Budd ganhou o pleito.
Seu primeiro amor, a estrada de ferro
Apesar de seu grande sucesso no negócio automobilístico, Budd nunca se esqueceu de seu primeiro amor, a estrada de ferro, e em 1934, apresentou o ‘Burlington Zephyr’, um trem fabricado em aço inoxidável. Também colaborou no desenvolvimento dos freios a disco para os trens durante a década de 30, e estendeu sua rede comercial através de uma grande variedade de indústrias conseguindo ter participação na maioria das indústrias que utilizavam chapa de aço na época.
Outros avanços tecnológicos de Edward Gowan Budd
O desaparecimento da madeira na indústria automobilística conduziu ao desenvolvimento de novos conceitos na tapeçaria dos automóveis e na formação de uma indústria especializada. A grande complexidade das soldas nos painéis de metal às vezes provocava que as soldas a gás e elétricas não dessem os resultados esperados, e por isso Budd desenvolveu a solda por arco.
Sem madeira nas carrocerias e com novas técnicas de tapeçaria que permitiam realizá-la depois de pronta, entraram em jogo novas técnicas de pintura e queima em alta temperatura, permitindo um aumento da qualidade nos acabamentos que conseguiam alargar a vida das carrocerias. Essas inovações de Budd levaram a importantes avanços na produção e no projeto de matrizes e prensas, assim como nas técnicas de delineação requeridas para produzir as ferramentas necessárias.
Edward Budd morreu em novembro de 1946 aos 76 anos, deixando atrás de si um grande legado que não deve ser esquecido pelos entusiastas do automobilismo.
O protótipo BUDD XR-400
Em 1962, a ‘Budd Company’ produziu um Concept Car completamente funcional, o XR-400, com a intenção de que fosse avaliado pela American Motors Corporation (AMC). Foi projetado para utilizar um exigente chassi da AMC destinado ao segmento de mercado esportivo antes da introdução do Ford Mustang. O carro proposto pela Budd não entrou em produção.
A ironia na história do XR-400 é que a Budd tratou de vender a ideia primeiramente à Ford. Em 1961, a Budd combinou uma carroceria do Ford Thunderbird de 1957 com um chassi do Ford Falcon de 1961 para produzir um conversível esportivo. Ao ser descartada a ideia pela Ford, a Budd mudou seu enfoque para oferecê-la à AMC. O curioso é que mais tarde, a Ford basearia o Mustang no chassi do Falcon.
Em 1978, a ‘Budd Company’ foi absorvida pelo grupo alemão Thyssen e passou a chamar-se ‘ThyssenKrupp Budd’.