Em uma era em que os automóveis ainda eram bestas temperamentais, propensas a congelar nas noites frias de upstate New York ou ferver sob o sol implacável do Oeste americano, um visionário local ousou desafiar o status quo. Era o início do século XX, e Herbert H. Franklin, um ex-jornalista de Syracuse convertido em magnata da fundição de metais, vislumbrava um futuro sobre rodas. Não qualquer roda: uma que rodasse leve, confiável e sem o risco de um radiador traiçoeiro. Assim nasceu a Franklin Automobile Company, uma das joias esquecidas da indústria automotiva, cujos motores refrigerados a ar ecoam como um sussurro de genialidade em meio ao rugido dos motores aquecidos que dominaram o mundo.
Tudo começou em 1901, nas colinas acidentadas de Syracuse, New York. Franklin, nascido em 1866 em Lisle, havia vendido seu jornal natal para investir no revolucionário processo de fundição ‘Underwood’, que o catapultou para o sucesso industrial. Mas foi um encontro casual com John Wilkinson, um engenheiro brilhante e autodidata, que acendeu a faísca. Wilkinson, frustrado após ser passado para trás em uma startup anterior, apresentava a Franklin um protótipo: um carro leve, com chassi de madeira e um motor de 4 cilindros refrigerado a ar, inspirado nas bicicletas que ele projetava para a Syracuse Cycle Company. “Era simples, confiável e pronto para qualquer clima”, recordaria anos depois um ex-funcionário, ecoando o mantra da dupla. Franklin, encantado após um test drive pelas ruas íngremes da cidade, reestruturou sua H.H. Franklin Manufacturing Company para abraçar a empreitada. Em 1902, o primeiro Franklin rodster leve saiu da linha de montagem - o terceiro carro já construído, vendido por 1.200 dólares, equivalente a um salário anual modesto na época.
Os anos iniciais foram de pura efervescência inovadora. Diferente dos concorrentes como Packard e Cadillac, cujos motores a água exigiam cuidados constantes em invernos rigorosos, os Franklins brilhavam pela simplicidade. Sem radiadores para entupir ou congelar, seus motores a ar - os primeiros de 6 cilindros no mercado em 1905 - prometiam durabilidade e economia. O avanço automático de ignição, introduzido em 1907, era uma primazia que suavizava o trajeto, tornando o carro acessível até para condutores novatos. Leves como plumas (muitos com estrutura de madeira flexível para absorver solavancos), os Franklins conquistavam recordes: em 1906, um Model H cruzou de San Francisco a New York em apenas 15 dias, das ruínas do terremoto ao Atlântico, provando sua robustez em estradas primitivas. Uma década depois, em 1913, outro modelo estabeleceu o recorde mundial de economia de combustível: impressionantes 83.5 milhas por galão (cerca de 35 km/litro), um feito que humilhava os gigantes da época.
A década de 1920 foi o apogeu dourado, os ‘Roaring Twenties’ refletidos no capô reluzente dos sedans Franklin. Sob a liderança técnica de Wilkinson e o gênio publicitário de Franklin - que, com seu passado jornalístico, vendia não só carros, mas sonhos de liberdade -, a empresa se consolidou como rainha dos luxuosos refrigerados a ar. Carros como o Sport Runabout 1925, estilizado pelo pioneiro designer J. Frank de Causse, vendiam como pães quentes, impulsionando as vendas para além de 15 mil unidades anuais. Médicos os apelidavam de “O Carro do Doutor”, ideal para visitas noturnas em nevascas; no Sudoeste seco, eram salvação contra superaquecimentos. Franklin competia de igual para igual com os titãs: seus modelos de 6 cilindros eram elogiados por especialistas por manuseio ágil, silêncio refinado e consumo parcimonioso. A fábrica em Syracuse, um colosso de tijolos vermelhos que empregava milhares, pulsava como o coração da cidade - um farol de prosperidade em uma região gelada.
Mas o crepúsculo veio rápido, como uma nevasca inesperada. A Grande Depressão de 1929 devorou o luxo como um lobo faminto. Em um erro fatal, banqueiros intervindo em empréstimos ruins forçaram a produção do Model 17, um sedan V12 de 1932 que pesava quase três toneladas - um ‘behemoth’ que traía a essência leve da marca. Apesar de seu motor a ar de 12 cilindros ser uma obra-prima (o único V12 refrigerado a ar já feito), o carro custava uma fortuna e vendia mal em tempos de penúria. “Era o veículo errado na hora errada”, lamentaria Sinclair Powell em sua crônica histórica da empresa. Vendas despencaram de milhares para centenas; dividendos secaram, e o endividamento sufocou a inovação. Em 5 de junho de 1934, Wilkinson renunciou, o coração partido. Menos de um mês depois, em 3 de abril, o último Franklin - um sedan modesto - rolou para fora da linha de montagem em Syracuse. A H.H. Franklin Manufacturing Company, outrora gigante, declarou falência, deixando para trás 150 mil veículos produzidos ao longo de 32 anos turbulentos.
O legado da Franklin não morreu no silêncio das fábricas vazias. Seus motores a ar impulsionaram aviões leves e os primeiros helicópteros americanos, e até ecoaram nos lendários Tuckers pós-guerra, adaptados com jaquetas de água. Hoje, em museus como o Gilmore Car Museum em Michigan ou o Onondaga Historical Association em Syracuse, relíquias como o roadster de 1902 - o primeiro vendido, emprestado do Smithsonian - contam histórias de velocidade e simplicidade. Clubes de entusiastas, como o H.H. Franklin Club, preservam o fogo: corridas de economia, restaurações meticulosas e encontros que celebram o que poderia ter sido o ‘Beetle’ americano décadas antes do Volkswagen.
Na poeira das estradas de cascalho que um dia testaram seus protótipos, a Franklin permanece um lembrete narrativo: a inovação floresce na ousadia, mas perece ante as marés econômicas. Em Syracuse, onde o vento frio ainda sussurra segredos industriais, o nome Franklin evoca não só um carro, mas uma era em que engenheiros sonhavam com asas frias sobre quatro rodas.