O Hillegass Sprint Car de 1956 foi um verdadeiro tesouro da era dourada das corridas de sprint nos Estados Unidos. Esse carro, mais do que uma máquina de competição, representa a engenhosidade artesanal de Hiram Hillegass e o espírito indomável dos pilotos que o levavam ao limite em pistas de terra poeirentas.
As Raízes: Hiram Hillegass e o Nascimento dos Sprint Cars
Tudo começa com Hiram Hillegass, um engenheiro visionário de Allentown, Pensilvânia, nascido em 1895. Enquanto trabalhava na Mack Trucks - famosa por seus caminhões robustos -, Hillegass começou a construir carros de corrida em 1919, focando em midgets (carros pequenos e ágeis para pistas curtas). Sua reputação cresceu rapidamente: ele era mestre em chassis leves e resistentes, ideais para as corridas de ‘big cars’ que evoluiriam para os sprint cars modernos. Hillegass via o potencial dos chassis de tubos de aço - leves, flexíveis e baratos -, uma inovação que revolucionou o design quando a maioria ainda usava chassis de madeira ou aço sólido.
Em 1949, Hillegass lançou sua linha de sprint cars de tubo, vendendo chassi e carroceria completos por apenas 925 dólares - o comprador fornecia motor e transmissão. Dos 60 modelos produzidos nesse ano, o ‘tube-type frame #6’ (que aparece nas imagens) foi um dos destaques, encomendado por Frank Anfuso, dono de uma funilaria em Bethlehem, PA. Esse carro, inicialmente construído para corridas locais, se tornaria lendário ao ser restaurado à configuração de 1956, capturando a essência da era pós-guerra de alta potência e velocidade bruta.
A Configuração de 1956: Potência e Simplicidade Brutal
O Hillegass Sprint Car de 1956 era a definição de ‘menos é mais’ em um mundo de motores rugindo. Com um chassi tubular de aço cromoly, pesava cerca de 700 kg, medindo 3.5 metros de comprimento e com rodas de 15 polegadas em liga de magnésio com knock-offs para trocas rápidas. A suspensão era clássica: eixo sólido dianteiro e traseiro com hastes de controle para absorver os solavancos das pistas de terra oval, e freios hidráulicos apenas nas rodas traseiras, com tambores gigantes para paradas emergenciais.
O coração era um motor V8 overhead valve (OHV) de 5.1 litros, provavelmente um Ford Y-block modificado para metanol, injetado e naturalmente aspirado, gerando 212 cv a 4.600 rpm. Acoplado a uma transmissão ‘In-N-Out’ de 2 velocidades (uma para aceleração, outra para neutral), o carro exigia partida manual - ‘push-to-start’ -, adicionando um toque de drama às largadas. Sem aerodinâmica sofisticada, sua carroceria de alumínio simples priorizava visibilidade e manutenção rápida, com tanque de combustível exposto e escape duplo rugindo como um trovão.
Essa configuração de 1956 não era revolucionária, mas refinada: Hillegass incorporou lições de anos de testes, tornando o carro estável em curvas de alta velocidade (até 160 km/h em retas) e acessível para pilotos amadores e profissionais.
Carreira nas Pistas: Vitórias, Lendas e o Toque de Andretti
O Hillegass #6 entrou em ação nos anos 1950, dominando as séries regionais do Leste dos EUA, como a National Auto Racing Association (NARA) e a United Racing Club (URC). De 1949 a 1956, ele acumulou 99 vitórias em corridas principais, conquistou o Campeonato NARA de 1951 e quatro títulos URC. Pistas como Williams Grove, em Pensilvânia, foram seu playground: ali, ele enfrentava rivais Offenhauser e Halibrand em batalhas épicas de poeira e fumaça.
O que eleva sua lenda são os pilotos que o guiaram. Nomes como Mario Andretti - que começou sua carreira meteórica nesse tipo de sprint car antes de conquistar a Indy 500 em 1969 -, Eddie Sachs (vítima trágica das 500 Milhas em 1964), Steve Yarrington, Lou Johnson, Bobby Courtwright, Hank Rogers e Bill Holland (vencedor das Indy 500 de 1948 e 1950) se revezaram ao volante. Andretti, em particular, usou um Hillegass similar para afiar suas habilidades em pistas de terra, descrevendo-os como “bestas selvagens que ensinavam respeito pela velocidade”. Em 1956, o carro competiu em eventos como o Eastern Sprint Car Championship, onde sua confiabilidade - graças ao chassi de Hillegass - o manteve na frente enquanto outros quebravam.
Restauração e Legado: De Relíquia a Estrela de Museu
Após décadas de batalhas, o carro foi aposentado nos anos 1960, mas sua história não acabou. Em 1987, Gene W. Weaber, um entusiasta de corridas vintage, o adquiriu e iniciou uma restauração meticulosa com os artesãos Kenny Rasp e Frank Murray. Levou dez anos para recriar fielmente a configuração de 1956: pintura creme com áreas azuis, adesivos e até os pneus slick de borracha dura. Concluída em junho de 1997, a restauração ganhou prêmios nacionais, incluindo troféus no Amelia Island Concours d’Elegance e no Hilton Head Island Motoring Festival.
Parte da coleção de Dennis Carpenter por anos, o carro agora reside no Savoy Automobile Museum, em Illinois, onde é exibido como um marco da evolução dos sprint cars. Hillegass, que faleceu em 1960 aos 65 anos, foi induzido ao National Sprint Car Hall of Fame em 1997 - ironicamente, no ano da restauração. Hoje, com apenas 30 dos 38 Hillegass originais sobrevivendo, ele vale mais de 100.000 dólares em leilões, simbolizando a transição dos midgets para os monstros V8 que moldaram o stock car racing moderno.
O Hillegass Sprint Car de 1956 não era o mais rápido ou glamoroso, mas era o mais confiável - um testamento à genialidade de um construtor que acreditava que a verdadeira velocidade vem da simplicidade. Em um mundo de Fórmulas high-tech, ele nos lembra das raízes sujas e emocionantes do automobilismo americano.