Em uma era dominada por gigantes como Ford e BMW, o nome Jensen evoca um capítulo romântico e trágico da história automotiva britânica: o de uma montadora artesanal que ousou misturar luxo, performance e pioneirismo, apenas para sucumbir às vicissitudes do mercado. Fundada há exatos 91 anos pelos irmãos Alan e Richard Jensen, a Jensen Motors começou como uma modesta oficina de carrocerias em West Bromwich, nas West Midlands, e evoluiu para um fabricante de esportivos icônicos, como o Interceptor e o revolucionário FF de tração integral. Hoje, com revivals esporádicos e um legado de colecionadores devotos, a marca lembra como a inovação pode brilhar - e se apagar - em meio à concorrência impiedosa.
Tudo começou nos anos 1920, quando os irmãos Jensen, nascidos em Birmingham em 1906 (Alan) e 1909 (Richard), demonstraram um fascínio precoce por motores. Aos 20 e poucos anos, em 1930, eles se uniram ao sócio Joe Patrick para fundar a Patrick Jensen Motors, uma garagem em Edgbaston que vendia, consertava e customizava carros leves. Mas o rompimento com Patrick em 1931 os levou a uma oportunidade dourada: juntar-se à W.J. Smith & Sons, um coachbuilder estabelecido em Carters Green, West Bromwich, especializado em carrocerias para veículos comerciais e ônibus. Após a morte de William Smith em 1934, os irmãos assumiram o controle e rebatizaram a empresa como Jensen Motors Limited - o nascimento oficial de uma lenda.
Inicialmente, focaram em carrocerias exclusivas para chassis de marcas como Morris, Singer, Standard e Wolseley, incluindo uma encomenda especial do ator Clark Gable para um conversível Ford V8 em 1934.
O primeiro carro totalmente Jensen surgiu em 1935: o S-Type, um roadster elegante sobre chassi Ford V8, seguido pelo H-Type em 1938, um sedan luxuoso com opções de motor Lincoln V12. Esses modelos pré-guerra, com linhas fluidas e materiais premium, estabeleceram a reputação da Jensen por sofisticação artesanal, mas a produção era limitada - apenas 14 H-Types foram feitos antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939. Durante o conflito, a fábrica se voltou para veículos comerciais inovadores sob a marca JNSN, como caminhões leves de alumínio para a Reynolds Tube Company e o protótipo do Jen-Tug articulado, que entrou em produção nos anos 1940.
Pós-Guerra: De Carrocerias para Contratos Milionários
A reconstrução veio em 1946 com o PW (Post-War), um sedan de luxo em alumínio com motor inline-6 Austin, oferecido em versões sedan e conversível - mas apenas 68 unidades foram produzidas devido à escassez de materiais.
O verdadeiro renascimento ocorreu em 1950, com o Interceptor original: um grand tourer com motor Austin Sheerline de 4.0 litros e 161 cv, capaz de atingir 160 km/h. Produzido até 1957, ele marcou a transição para designs próprios, com carrocerias em aço e linhas inspiradas em coupés americanos.
Enquanto isso, a Jensen se tornou mestra em contratos de terceiros, uma estratégia que sustentou a empresa por décadas. Em 1949, projetou o A40 Sports para a Austin, cujas carrocerias de alumínio foram montadas em Longbridge - mais de 4 mil unidades saíram das linhas entre 1951 e 1953.
Em 1952, apesar de perder o design do Austin-Healey 100 para Donald Healey, garantiu o contrato de carrocerias para o ‘Big Healey’, produzindo 64.500 unidades até 1967.
Nos anos 1960, veio o Volvo P1800, cujo acabamento e montagem em West Bromwich - após envios da Escócia - ajudou a financiar a expansão, embora o projeto tenha terminado prematuramente com uma indenização compensatória.
Outros jobs incluíram o Austin Gypsy (precursor do Land Rover Série III) e estates A95/A105 da Austin Westminster.
A década de 1950 trouxe inovações próprias: em 1953, a fábrica mudou para Kelvin Way, um complexo moderno que dobrou a capacidade. O 541, lançado em 1954, foi pioneiro com carroceria em fibra de vidro reforçada - a primeira em um carro de produção mainstream -, motor Austin de 4.0 litros e design aerodinâmico por Eric Neale. Evoluindo para o 541S (1957) e 541R (1958), ele vendeu modestamente, mas pavimentou o caminho para o CV8 de 1962, com motor Chrysler V8 de 6.3 litros e 362 cv, um muscle car britânico ‘avant la lettre’.
O Auge dos Anos 1960: Interceptor, FF e a Saída dos Irmãos
O Interceptor de 1966, com carroceria projetada pela Carrozzeria Touring italiana e montada inicialmente pela Vignale antes de internalizada, tornou-se o carro da marca. Equipado com motores Chrysler V8 de até 7.2 litros e 385 cv, o coupé, conversível e fastback vendeu mais de 6.500 unidades até 1976, ganhando o título de Carro do Ano na Grã-Bretanha.
Celebridades como Frank Sinatra (dono de um FF), Cher e Jack Nicklaus o adotaram, imortalizando-o na cultura pop - até uma banda se chamou Jensen Interceptor.
O ápice da inovação veio com o FF (Ferguson Formula), lançado em 1966: o primeiro carro de produção não off-road com tração integral e ABS mecânico (Dunlop Maxaret, adaptado de aviões e caminhões). Com motor V8 de 7.2 litros e 330 cv, ele previa tecnologias que só se popularizariam décadas depois, mas sua complexidade e preço elevado limitaram a produção a 318 unidades até 1971.
Sob controle do Norcros Group desde 1959, os irmãos Jensen saíram em 1966 após desentendimentos, vendendo suas ações. O americano Kjell Qvale assumiu em 1970, nomeando Donald Healey presidente, mas a maré virou com o fim de contratos (Healey e Volvo) e a crise do petróleo de 1973.
Declínio e Revivals: Do Fim à Esperança Eterna
O Jensen-Healey de 1972, um roadster leve com motor Ford de 3.0 litros projetado por Healey, vendeu 10 mil unidades, mas recalls e qualidade irregular afundaram as vendas. Uma versão shooting brake, o GT de 1975, foi o último suspiro: a fábrica fechou em maio de 1976, após 42 anos, vítima de recalls, regulamentações americanas e concorrência japonesa.
Duas subsidiárias, Jensen Special Products e Jensen Parts & Service, cuidaram de peças e serviços para os fiéis.
O nome ressurgiu em 1983 sob a Ferguson, produzindo 56 Interceptor cabriolets com tração integral até 1990. Em 1998, a Coventry Prototype Panels montou 12 S-V8s, e em 2001-2002, a Jensen Cars tentou reviver o Interceptor em Speke, mas faliu após 20 unidades. Martin Robey comprou os ativos em 1993 para peças, e em 2011, a Healey Sports Cars anunciou um novo Interceptor para 2014 - que nunca saiu do papel. Rumores de um GT em 2015 evaporaram.
Hoje, o Jensen Owners Club preserva o legado, com eventos anuais e restaurações que mantêm os Interceptors rugindo. Em um mundo de elétricos padronizados, a Jensen simboliza a essência artesanal britânica: ousada, inovadora e efêmera. Como disse Richard Jensen, “Fazíamos carros para durar, não para envelhecer”. Quase um século depois, eles ainda não envelheceram - apenas esperam por uma nova estrada.