No coração industrial de Bradford, no West Riding de Yorkshire, na Inglaterra, nasceu uma das marcas automotivas britânicas mais singulares e esquecidas: a Jowett. Fundada no início do século XX por irmãos visionários, a empresa se destacou por produzir carros leves, econômicos e confiáveis, adaptados às estradas acidentadas do norte da Inglaterra. De 1901 a 1954, a Jowett evoluiu de uma pequena oficina de motores para uma montadora respeitada, conhecida por inovações como motores flat-twin e designs aerodinâmicos. Embora tenha enfrentado guerras, crises econômicas e concorrência feroz, seu legado perdura em clubes de entusiastas e em modelos raros que ainda encantam colecionadores ao redor do mundo.
Origens: De Bicicletas a Motores e o Primeiro Carro
A história da Jowett remonta a 1901, quando os irmãos Benjamin Jowett (1877-1963) e William Jowett (1880-1965), junto com Arthur V. Lamb, fundaram uma empresa de bicicletas em Bradford. Rapidamente, eles diversificaram para a produção de motores V-twin estacionários, usados em máquinas industriais e, eventualmente, como peças de reposição em carros locais. Em 1904, a companhia mudou de nome para Jowett Motor Manufacturing Company e se instalou na Back Burlington Street, em Bradford, onde começou a desenvolver protótipos de veículos leves e acessíveis. O foco era criar carros econômicos para a classe média, inspirados nas estradas íngremes e irregulares de Yorkshire.
O primeiro protótipo de carro saiu da linha de montagem em 1906: um veículo leve de dois lugares com motor flat-twin refrigerado a água de 816 cc e 6 cv, transmissão de 3 velocidades e direção por alavanca (tiller steering). Testado por mais de 40.000 km ao longo de quatro anos, ele só entrou em produção em 1910, após refinamentos. Anunciado como ‘8 cv’ para atrair mais compradores (apesar de manter as especificações originais), o modelo inicial era um runabout aberto, capaz de atingir 77 km/h. Apenas 48 unidades foram fabricadas entre 1906 e 1914, com duas delas ainda sobrevivendo hoje, incluindo exemplos com direção por alavanca. O preço era acessível, em torno de 145 libras esterlinas, tornando-o popular entre condutores iniciantes.
A Primeira Guerra Mundial e a Expansão Pós-Guerra
Com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914, a fábrica de Jowett foi convertida para a produção de munições e fusíveis, interrompendo a fabricação de carros. Após o armistício, em 1919, os irmãos Jowett formaram a Jowett Cars Limited, uma empresa privada que comprou a divisão automotiva da antiga companhia. Eles se mudaram para a Springfield Works, na Bradford Road, em Idle (perto de Bradford), em uma antiga pedreira desativada. A produção recomeçou com o Jowett Seven, uma versão aprimorada do modelo pré-guerra, com motor de 7 cv e opções de carrocerias como tourers e comerciais leves.
Na década de 1920, a Jowett expandiu rapidamente. Em 1922, introduziu veículos comerciais baseados no chassi de carro, que se tornaram uma parte significativa da produção. Modelos como o Long Tourer de 1923 e o Standard 8 de 1927, com motor de 1.099 cc, alcançaram picos de mais de 3.000 unidades por ano. A empresa ganhou fama por sua durabilidade e economia de combustível, com carros que subiam colinas íngremes sem esforço. Clubes de proprietários surgiram em 1923, como o Southern Jowett Car Club, que evoluiu para o atual Jowett Car Club - o mais antigo clube de uma marca única no mundo. Figuras como Gladney Haigh e Harry Mitchell impulsionaram as vendas com campanhas publicitárias criativas.
Os Anos 1930: Inovação e Desafios
A década de 1930 trouxe avanços estilísticos e mecânicos. Em 1933, o Flying Fox foi lançado, seguido pelo Kestrel em 1934, com transmissão de 4 velocidades e motor de 1.187 cc. Esses modelos incorporavam designs mais modernos, com carrocerias leves e foco em conforto para famílias. No entanto, um incêndio na fábrica em setembro de 1931 interrompeu temporariamente a produção. A Jowett continuou a priorizar veículos leves e comerciais, como o Bradford van, que se tornou icônico para entregas urbanas. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a empresa novamente se dedicou à produção de peças para aviões, como componentes para o De Havilland Mosquito, e geradores a motor.
Pós-Guerra: O Auge com Javelin e Jupiter
O período pós-guerra marcou o ápice da Jowett, impulsionado pelo designer Gerald Palmer. Em 1947, o Javelin foi lançado como um sedan executivo revolucionário: com motor flat-four OHV de 1.486 cc e 50 cv (até 52.5 cv na versão PE), suspensão independente, freios hidráulicos e design aerodinâmico que acomodava seis passageiros. Custando 819 libras esterlinas, competia com o Jaguar 1.5L e o Riley RM, alcançando 124 km/h e 0-80 km/h em 13.4 segundos. Problemas iniciais com caixas de câmbio (inicialmente da Henry Meadows, depois produzidas internamente) causaram atrasos, mas o Javelin se destacou em competições, como o Rally de Monte Carlo.
Em 1949, veio o Jupiter, um roadster esportivo baseado no powertrain do Javelin, projetado para exportação e para aumentar a cota de aço. Com chassi tubular, motor ajustado para 60 cv e velocidade máxima de 137 km/h, o Jupiter venceu classes nas 24 Horas de Le Mans (1950 e 1951) e no Rally de Monte Carlo (1951 e 1952). Versões como o Mk1A e o R4 (com carroceria de plástico em 1953) foram leves e rápidas, mas apenas 94 Mk1A e três R4 foram produzidos. O Jupiter simbolizava a ambição da Jowett de entrar no mercado de esportivos, influenciado por entusiastas como Laurence Pomeroy e Leslie Johnson.
Declínio e Fim
Apesar dos sucessos, a Jowett enfrentou ventos contrários. A aquisição da Fisher and Ludlow (fornecedora de carrocerias) pela BMC em 1953 limitou o suprimento de peças, e problemas com produção de transmissões levaram a estoques de carrocerias sem motor. Em 1950, a empresa foi vendida para o desenvolvedor Charles Clore e, em 1947, para os banqueiros Lazard Brothers. As vendas caíram devido à concorrência de gigantes como Ford e Austin, e a produção parou em outubro de 1954. A fábrica foi vendida para a International Harvester, que a usou até 1983. A Jowett continuou fornecendo peças até 1963, quando foi absorvida pela Blackburn & General Aircraft Company, que fechou a operação em 1956 devido à racionalização da indústria aeronáutica.
Legado
Ao longo de sua existência, a Jowett produziu cerca de 50.000 veículos, com foco em inovação e acessibilidade. Hoje, modelos como o Javelin e o Jupiter são colecionáveis raros, valorizados em leilões por sua engenharia avançada e história de corridas. O Jowett Car Club, fundado em 1923, preserva o legado com eventos, restaurações e uma biblioteca de mais de 60 anos de revistas. Em 2025, em um mundo de veículos elétricos e autônomos, a Jowett nos lembra da era dos pioneiros britânicos: uma marca pequena que ousou inovar, deixando marcas eternas na história automotiva.