ESTA É A HISTÓRIA DO CHRYSLER TURBINE CAR DE 1963

Durante a década de 50 do século passado, muitos fabricantes de automóveis já olhavam para o futuro buscando novas tecnologias para seus veículos. Alguns, como a Ford, exploravam a propulsão nuclear, com o Ford Nucleon, enquanto que outros buscavam a inspiração no mundo da aviação.
General Motors, Rover, Renault e Fiat, exploravam os motores a reação como uma possibilidade para seus carros de passeio. O Chrysler Turbine Car de 1963 se converteu no mais famoso de todos, apesar de a Chrysler levar três décadas pesquisando essa tecnologia, principalmente sob a direção do engenheiro George Hübner.
O conceito havia fascinado a todos, sobretudo porque os motores a turbina contavam com menos peças móveis que seus irmãos a pistão (um paralelismo com o motor Wankel) e podiam funcionar com diversos combustíveis. Segundo o historiador Charles K. Hyde, a Chrysler estava “na vanguarda da pesquisa em turbinas a gás” em meados da década de 1950.
Depois de melhorar o projeto da turbina, os esforços da equipe da Chrysler alcançaram sua maturidade quando instalaram uma turbina em um Plymouth Belvedere de 1954, que além do mais era de série. O superaquecimento e a refrigeração, assim como as emissões e os gases de escape, eram alguns dos principais desafios técnicos que o motor a turbina enfrentava.
A Chrysler testou o Belvedere e afirmou que seu motor a turbina tinha 20% menos de peças e pesava 91 kg a menos que os motores a pistão convencionais equivalentes. Seu próximo carro a turbina, um Plymouth de 1956, foi apresentado no dia 23 de março de 1956. Hübner o conduziu por 4.860 km em uma viagem de quatro dias de New York a Los Angeles.
Embora o carro tenha sido acompanhado por um comboio de 14 mecânicos com combustível e peças de reposição, foram necessárias apenas duas reparações menores na viagem (nenhuma delas relacionada com o motor). O sucesso da viagem de costa a costa levou a empresa duplicar o tamanho do seu programa de turbinas, transferindo-o da planta de Highland Park para instalações maiores em Greenfield Road, Detroit.
O motor a turbina Chrysler de segunda geração foi instalado em um Plymouth em 1959, que conseguiu um consumo médio de 19.4 milhas por galão americano (8.3 km/l) em uma viagem de Detroit a Woodbridge (New Jersey). Incomparavelmente melhor que os 5.6 km/l conseguidos pelo Turbine de primeira geração na viagem de 1956 de New York a Los Angeles.
Depois que a Chrysler nomeou o antigo contador Lynn Townsend como novo presidente em 1961, a empresa apresentou seu próximo motor a turbina de terceira geração em 28 de fevereiro: o CR2A foi o primeiro motor a turbina da Chrysler que recebeu um nome oficial. Ao contrário de seus antecessores, mais experimentais, o CR2A foi projetado levando em conta os custos e os métodos de produção.
As turbinas de terceira geração foram instaladas em vários veículos, entre eles um caminhão Dodge de 2.5 toneladas de 1960 e o protótipo Chrysler Turboflite. Foram instaladas turbinas CR2A aperfeiçoadas em um Dodge Dart de 1962 e em um Plymouth Fury de 1962. O Dart foi conduzido de New York a Los Angeles em dezembro de 1961, e o Fury completou uma viagem de Los Angeles a San Francisco em janeiro de 1962.
Um mês depois, em fevereiro de 1962, a Chrysler havia levado sua frota de Turbines aos concessionários de toda a América do Norte, Europa e México, visitando 90 cidades, dando carona a quase 14.000 pessoas e sendo visto por milhões de pessoas. O programa da terceira geração do Turbine terminou naquele mesmo mês no Salão de Chicago de 1962.
Pouco antes do Salão, a Chrysler anunciou um motor a turbina de quarta geração que seria instalado em uma tiragem limitada de 50 a 75 veículos, que seriam emprestados ao público gratuitamente no final de 1963. Foi o nascimento do ‘carro turbina’.
O Chrysler Turbine Car foi projetado nos estúdios da Chrysler sob a direção de Elwood Engel, que havia trabalhado na Ford antes de incorporar-se à Chrysler. Devido à sua semelhança com o Ford Thunderbird projetado por Engel, o carro é conhecido às vezes como o ‘Engelbird’. Segundo Hübner, o design pretendia competir com o Chevrolet Corvette e com o Thunderbird.
A carroceria do carro era construída à mão pelo encarroçador italiano Ghia, que já havia construído vários protótipos para a Chrysler. As carrocerias, em sua maioria eram terminadas, montadas, pintadas, recortadas e estofadas pela Ghia na Itália, e eram transportadas à planta da Chrysler em Greenfield Road, em Detroit, para sua montagem final. Ali eram instalados os motores a turbina, as transmissões TorqueFlite, o cabeamento elétrico e demais componentes.
Ao que parece, a fabricação de um só veículo custava até 55.000 dólares na época (o equivalente a 460.000 dólares em 2022). Só a carroceria já valia 20.000 dólares (o equivalente a 170.000 dólares em 2022), embora a Chrysler nunca tivesse revelado o custo dos motores a turbina individuais.
O ‘Turbine Car’ era propulsionado pelo A-831, a quarta geração de motores a turbina, que era mais leve (186 kg) que o CR2A. Hübner descreveu a turbina como algo parecido com um avião, destacando que só tinha uma vela de ignição e 80% menos de peças que um motor a pistão típico de automóvel. Devido ao seu design, os motores não precisavam de anti-congelante, sistema de refrigeração, radiador, bielas e virabrequins.
O A-831 podia funcionar com diesel, gasolina sem chumbo e combustível de aviação JP-4. Entretanto, a gasolina com chumbo estragava o motor. De acordo com a Chrysler, podia queimar uma grande variedade de combustíveis, desde perfume até óleo de amendoim ou de soja. O presidente mexicano Adolfo López Mateos chegou a fazer um dos veículos funcionar com tequila depois que os engenheiros da Chrysler confirmaram que ele podia fazê-lo.
O motor produzia 130 cv (97 kW) a 36.000 rpm e entregava 576 Nm de torque, com uma marcha-lenta entre 18.000 e 22.000 rpm. Na marcha-lenta, os gases de escape não superavam os 82°C. Na velocidade máxima do coche, de 193 km/h, a turbina funcionava a 60.000 rpm.
Em comparação com os motores a pistão convencionais, os motores a turbina normalmente requerem menos manutenção, duram mais e são mais fáceis de arrancar em condições de frio. O A-831 arrancou corretamente em temperaturas de até -29°C. Devido aos materiais exóticos e às restritas tolerâncias necessárias para construir os motores, assim como o investimento no processo de fundição utilizado para fabricá-los, os A-831 eram muito caros para produzir.
Entre outubro de 1963 e outubro de 1964, foram construídos um total de 50 Turbine Cars idênticos na cor metálica ‘Turbine Bronze’. Eram coupes de duas portas com teto duro, freios com assistência pneumática e direção assistida. Os carros tinham uma suspensão dianteira independente, de molas em ambos os eixos, e as quatro rodas estavam equipadas com freios a tambor.
O painel é dominado por três grandes indicadores: um velocímetro, um tacômetro e um pirômetro, este último para controlar a temperatura da entrada da turbina (o componente mais quente do motor). O aspecto é praticamente o mesmo, embora o tacômetro e o pirômetro dessem leituras excepcionalmente altas em comparação com os carros com motor a pistão: 46.000 rpm e 930°C.
Dois dos carros competiram na Feira Mundial de New York de 1964, outro deu uma volta ao mundo, e 50 foram emprestados ao público geral como parte de um programa para usuários. Os carros eram entregues aos condutores de forma gratuita durante três meses, exceto os gastos de combustível. Os participantes do programa também concederam à Chrysler extensas duas semanas após devolver seus carros.
O programa de usuários ajudou a identificar uma série de problemas com os carros, como o mal funcionamento do motor de arranque em grande altitude, a dificuldade para dominar o procedimento incomum de arranque em oito etapas (que provocou danos no motor de alguns usuários) e a aceleração relativamente pouco expressiva dos carros. No entanto, os motores a turbina eram notavelmente duráveis em comparação com os motores a pistão contemporâneos.
As vantagens mais mencionadas do motor a turbina, de acordo com as entrevistas dos participantes, foram o funcionamento silencioso e sem vibrações, a menor necessidade de manutenção e a facilidade de arranque em diversas condições. As queixas mais frequentes se referiam à lentidão da aceleração, o elevado consumo de combustível e o nível de ruído relativamente alto.
Os veículos tinham placas de advertência proeminentes onde se alertava os condutores para que não utilizassem gasolina com chumbo. Embora o motor da turbina pudesse funcionar com ela, o aditivo de chumbo deixava resíduos prejudiciais. O único combustível que a Chrysler desaconselhava era, de longe, o mais fácil de obter na época do programa de usuários. Os combustíveis mais utilizados pelos participantes eram o diesel e o combustível de aviação.
Mais de um milhão de milhas (1.6 milhões de km) foram rodados pelos 50 veículos colocados à disposição do público, concretamente 203 usuários, antes de que o programa de testes terminasse em janeiro de 1966.
A Chrysler destruiu 46 deles após completar o programa de testes e outras demonstrações públicas: 44 dos carros foram queimados e sucateados em um ferro-velho ao sul de Detroit, os outros dois foram destruídos no Chelsea Proving Grounds da Chrysler.
Apesar de tudo, a marca continuou desenvolvendo motores a turbina do final dos anos 60 até os 70, o que levou ao desenvolvimento de motores de quinta e sexta geração. Apesar dos promissores resultados iniciais e de um contrato de 6.4 milhões de dólares com a Agência de Proteção do Meio Ambiente, as turbinas acabaram não cumprindo a norma federal sobre emissões, com um consumo de combustível relativamente alto.
Um relatório do Departamento de Comércio dos EUA concluiu, em outubro de 1967, que o motor a turbina era “inadequado para os automóveis”. A Chrysler continuou desenvolvendo motores a turbina até meados da década de 1970 e posteriormente instalou versões compactas dos motores no Dodge Aspen. No entanto, o programa e o motor de sétima geração foram interrompidos em 1979.
Apenas nove Chrysler Turbine Cars sobreviveram. A Chrysler mantém um de seus veículos expostos no Museu Walter P. Chrysler de Auburn Hills, Michigan. Cinco dos seis carros expostos atualmente em museus foram doados ao Museu Histórico de Detroit, ao Museu Henry Ford de Dearborn (Michigan), ao Museu do Transporte de Kirkwood (Missouri), ao Museu do Automóvel Petersen de Los Angeles e à Institução Smithsonian de Washington DC.
O único outro modelo Turbine em mãos privadas encontra-se atualmente na coleção de Jay Leno, o famoso apresentador de televisão americano, que comprou um dos três carros que originalmente ficavam na Chrysler, em 2009. Um exemplar que, aliás, está em pleno funcionamento.