HÁ 50 ANOS: ‘SURFING USA’ COM A INIGUALÁVEL MAZDA ROTARY PICK-UP
Não existe nenhum conceito de veículo em que o compacto e leve motor rotativo da Mazda - já aplicado em mais de dois milhões de veículos - não apresente as suas vantagens. Até mesmo numa clássica e útil pick-up, um produto inicialmente destinado a agricultores e comerciantes norte-americanos, mas que se tornaria num objeto de culto: a revolucionária Mazda Rotary Pick-up.
Foi em 1974 que esta pick-up de origem japonesa, especialmente desenvolvida para o mercado dos EUA, foi apresentada aos clientes locais, propondo soluções técnicas inovadoras para uma maior valorização em termos de utilidade, associado a um prazer de condução muito especial, obtido a partir de um potente motor rotativo de dois discos, na tradição das pioneiras pick-ups da Mazda.
Afastando-se das convenções, como tantas vezes o tem feito ao longo da sua já quase centenária história de construção de veículos motorizados, o fabricante de Hiroshima iniciara a sua ascensão para se tornar um fabricante de automóveis de sucesso em escala global através de meios de transporte inovadores, que ganharam um estatuto de culto no Japão, como os lendários e originais triciclos motorizados de cor verde. Mas a Mazda Rotary Pick-up, lançada há precisamente 50 anos na América do Norte, se tornaria um projeto igualmente sensacional, trazendo muito estilo ao mundo do surf e até brilhando também em eventos de esportes a motor.
‘Made for America’, mas com fãs em todo o mundo
O mundo da mobilidade está sempre em constante mutação, especificamente pelo surgimento de tecnologias inovadoras, que afetam os diferentes segmentos de veículos. A Mazda conseguiu sempre manter-se à frente de muitas das novas tendências com o seu espírito criativo de engenharia. Foi este, também, um dos casos ocorridos no início dos anos 70 do século passado, na América do Norte, então o mercado mais importante do mundo para pick-ups e modelos de cunho esportivo. Até então, era com as compactas e práticas pick-ups da Série B que a Mazda fazia frente às grandes pick-ups norte-americanas, enquanto o seu novo motor rotativo se tornava particularmente apetecível em coupés e modelos esportivos de design cativante.
Os americanos adoravam o robusto motor Wankel de elevada rotação fabricado no Japão, que se caracterizava por uma suavidade de funcionamento semelhante à de uma turbina, de tal forma que, muito em breve, naquela década, um em cada dois veículos Mazda vendidos nos EUA contavam com um motor deste tipo debaixo do seu capô.
Parecia, assim, lógico que a Mazda desenvolvesse uma pick-up com esse tipo de solução técnica, vindo a produzir aquela que se tornou a única proposta com essas características do mundo, com comercialização oficial em um mercado. O que ninguém podia prever, no entanto, era que a Mazda Rotary Pick-up chegasse aos salões de exposição de New York à Califórnia quando aconteceu a primeira crise energética global, entre 1973 e 1974.
Esse veículo de raiz comercial, conhecido pelos seus fãs como ‘REPU’ - acrônimo para ‘Rotary Engine Pick-Up’ - se tornaria, entretanto, um dos clássicos mais interessantes nos hotspots de surf americanos e entre a comunidade de usuários de pick-ups. Os colecionadores europeus e alemães há muito que descobriram o fascínio deste modelo espirituoso dotado de um motor rotativo de dois discos, com 135 cv (volume da câmara 2 x 654 cm³), que se distingue, sobretudo, pelas seus robustos e alargados arcos de rodas. E quem, nas estradas, fosse ultrapassado por uma REPU repararia na inscrição ‘ROTARY POWER’, em letras grandes, a quase toda a largura da sua traseira.
A pequena pick-up acelerava de 0 a 100 km/h em 9 segundos, alcançando uma velocidade máxima superior a 160 km/h, superando toda a concorrência, colocando-se no mesmo nível de alguns sedans, com motores de 6 cilindros da época. No entanto e com as circunstâncias da época todas contra si, a carreira da extraordinária Mazda Rotary Pick-up duraria meros três anos.
Resiliência na crise, culto como clássico: Mazda ‘REPU’ redefiniu o conceito pick-up
Por vezes, o sucesso ou o fracasso de um veículo inovador já está decidido antes mesmo dele chegar aos showrooms dos concessionários. Foi o que aconteceu com a Mazda Rotary Pick-up, proposta que se diferenciava claramente das demais pick-ups consistentemente rústicas e úteis, sendo proposta com uma cabine confortavelmente equipada, ao estilo do coupé esportivo Mazda RX-2, incluindo até um tacômetro.
Com apenas 4.39 metros de comprimento, 1.299 kg de peso e uma carga útil de 640 kg, a ‘REPU’ contava com um chassi concebido para acomodar o potente motor rotativo de dois discos, que fornecia um terço a mais da potência dos motores de 4 cilindros comparáveis das pick-ups convencionais. O seu motor rotativo de baixas emissões, do tipo 13B, conhecido do coupé esportivo Mazda RX-3 - na época o topo da linha de entre os modelos da Mazda em alguns países - cumpria os regulamentos de emissões mais rigorosos do mundo, aplicados no Estado da Califórnia, e oferecia uma sensacional garantia de fábrica de 80.000 km ou 3 anos, no que era outra das vantagens da Mazda Rotary Pick-up sobre a concorrência. Eram fatos com os quais a ‘REPU’ impressionou tanto especialistas do mundo automotivo como os clientes desse segmento.
No entanto, a recessão econômica que acompanhou a crise petrolífera de 1974 na América do Norte veio a constituir um severo problema para a Mazda Rotary Pick-up: o seu consumo de 9 km/l (de acordo com a norma EPA) era visto como adequado pelos meios de comunicação especializados para uma pick-up esportiva e tão divertida de conduzir, mas já nada atrativos para a maioria dos clientes do segmento, que optavam, geralmente, por adquirir propostas com motores menores e mais econômicos, comuns aos veículos comerciais.
Independentemente disso, em 1974 a Mazda produziria um volume de 14.336 exemplares para a América do Norte, alguns dos quais se viram convertidos para veículos de reboque e de assistência a avarias nas estradas. Outros tornaram-se companheiros de lifestyle na Costa Oeste, não raras vezes surgindo com uma prancha de surf na caçamba e a inerente assinatura ‘ROTARY POWER’ na traseira. No entanto, fruto da queda de vendas, a Mazda interromperia a produção em 1975, antes de as retomar no ano seguinte, em que produziu 632 unidades adicionais. Mas a produção chegaria ao fim em 1977, com as derradeiras 1.161 unidades, completando-se o acumulado total de 16.129 exemplares da Mazda Rotary Pick-up saídas do Japão para a América do Norte.
Devidamente transformados, alguns até alcançaram surpreendentes resultados em competições, sendo o mais referencial a vitória absoluta em 1975 nas 24 Horas SCCA Mojave, prova realizada no Estado da Califórnia, o que, durante algum tempo, ajudou a impulsionar as vendas. Ao longo dos anos seguintes a ‘REPU’ se tornaria um célebre clássico de culto, até desempenhando papéis de diferente relevo em séries e filmes, na televisão e no cinema, e até em populares jogos de console.
Hoje e entre outras ações pontuais em que os ainda existentes exemplares participam, refira-se a presença de duas unidades Mazda Rotary Pick-up como atracções das exposições especiais do Mazda Classic - Automobil Museum Frey, em Augsburg, na Alemanha. São parte do espólio do evento ‘Rotation’, em que este conceituado museu expõe todos os modelos Mazda equipados com o motor rotativo, de um Cosmo Sport 110 S, passando pelo RX-2 ou o RX-9, ao Eunos Cosmo, Mazda Luce ou o eterno R100, entre outras propostas.