JENSEN-FORD SHOOTING BRAKE 1935: ESTE É O ÚNICO SOBREVIVENTE DE UMA ELEGÂNCIA ESQUECIDA NAS ESTRADAS BRITÂNICAS
Em um mundo onde os clássicos automotivos competem por holofotes em leilões milionários, o Jensen-Ford Shooting Brake de 1935 emerge como uma relíquia quase mítica: o único exemplar conhecido ainda rodando das estimadas duas ou três unidades produzidas há exatos 90 anos. Construído pelos irmãos Alan e Richard Jensen, pioneiros da carroceria britânica, esse ‘woody wagon’ - como os americanos o apelidariam - simboliza a fusão audaciosa de poder yankee com sofisticação britânica, projetado para os proprietários de terras que precisavam de espaço para espingardas, cães e convidados após uma caçada. Hoje, avaliado em mais de 120 mil dólares e recentemente leiloado por 43 mil dólares em março de 2024, ele não é apenas um carro: é um testemunho de como a inovação artesanal pode desafiar o tempo.
A história do Jensen-Ford Shooting Brake remonta aos primórdios da Jensen Motors, fundada em 1934 quando os irmãos Jensen, então com 28 e 25 anos, assumiram o controle da W.J. Smith & Sons, um modesto coachbuilder nas West Midlands. Nascidos em Birmingham, Alan e Richard começaram sua jornada nos anos 1920 customizando Austin Sevens humildes, inspirados por visionários como William Lyons da Swallow (futura Jaguar). Mas foi na década de 1930 que eles elevaram o jogo: importaram cerca de 20 chassis Ford V8 da América do Norte - especificamente o Model 48 canadense, com seu motor flathead de 3.6 litros e 85 cv de potência - para criar uma série de touring cars estilosos. O Shooting Brake, lançado em 1935, era a joia da coroa: uma carroceria de madeira de freixo com painéis de alumínio, projetada para versatilidade rural, mas com um toque de esporte urbano.
Diferente dos roadsters abertos comuns da época, esse wagon de duas portas media cerca de 4.5 metros de comprimento, com um chassi modificado pelos Jensen: o motor foi reposicionado para frente, o radiador abaixado e inclinado para um centro de gravidade mais baixo, conferindo uma silhueta dramática e aerodinâmica. Acionado por uma transmissão manual de 3 velocidades, freios a tambor hidráulicos em todas as rodas e suspensão com molas transversais e amortecedores Andre Hydro-Telecontrol, o veículo atingia velocidades respeitáveis para a época - acima de 140 km/h - consumindo gasolina americana em um ronco V8 inconfundível. O interior, reestofado em couro vermelho, acomodava bancos para quatro, com espaço traseiro generoso para equipamentos de caça, justificando o nome ‘Shooting Brake’: uma carruagem de caça motorizada para nobres ingleses que buscavam praticidade sem abrir mão do charme.
A produção foi minúscula - menos de 30 Jensen-Fords no total na década de 1930 -, limitada pela recessão global e pela transição da Jensen de mero encarroçador para fabricante independente. Exemplares semelhantes incluíam conversíveis e sedans, mas o Shooting Brake era o mais raro, destinado a uma elite rural que via nele o veículo ideal para transportar ‘shooting parties’ da estação de trem para as mansões campestres. No entanto, a Segunda Guerra Mundial interrompeu tudo: a fábrica se voltou para veículos militares, e a maioria dos Jensen-Fords foi perdida para o ferro-velho ou o esquecimento. Dos dois ou três Shooting Brakes estimados, apenas este sobreviveu, graças a uma odisseia improvável.
Da Sucata à Glória: Uma Restauração Épica
Abandonado por mais de 20 anos em um ferro-velho britânico nos anos 1970, o carro foi resgatado por um restaurador de pianos - profissão que se provaria profética. Usando habilidades em marcenaria fina, o proprietário reconstruiu o framework de freixo original, preservando o máximo possível da madeira centenária, enquanto atualizava pisos, fiação e estofamento. Nos anos 1990, após uma década de trabalho meticuloso, o Shooting Brake voltou às estradas, pintado em verde clássico com rodas de arame de 16 polegadas calçadas em pneus Firestone, e adornado por uma lanterna de neblina Notek central. Documentado com recibos, certificados MOT e anotações de historiadores da marca, ele acumulou uma pasta espessa de comprovantes, tornando-se uma relíquia certificada.
Recentemente, o veículo cruzou o Atlântico para os EUA, onde foi oferecido pela Hyman Ltd., em St. Louis, Missouri - revendedor de clássicos que o descreve como “confiável e fácil de manter, graças ao suporte global de peças Ford”. Em março de 2024, ele foi arrematado por 43.210 dólares em um leilão da Bring a Trailer, atraindo colecionadores fascinados por sua unicidade. “É um carro que vira cabeças em qualquer evento de Fords antigos ou woody wagons”, comentou um historiador da Jensen Owners Club. Com quilometragem baixa pós-restauração e manutenção impecável, ele roda suavemente, evocando o ‘milagre econômico’ pré-guerra da Grã-Bretanha.
Legado: Da Caça à Cultura Pop
O Jensen-Ford Shooting Brake não foi apenas um capricho dos Jensen - ele prefigurou a identidade da marca, que misturaria estilo britânico com V8s americanos até o fechamento em 1976. Modelos posteriores, como o Interceptor de 1966, ecoariam essa herança de luxo acessível e performance bruta. Hoje, em uma era de SUVs elétricos padronizados, esse sobrevivente solitário lembra o apelo atemporal dos ‘brakes’: veículos que transformavam a mobilidade em aventura. Como disse Richard Jensen certa vez, “Fazíamos carros para durar, não para envelhecer”. Nove décadas depois, seu Shooting Brake prova o ponto - um ícone verdejante, pronto para novas caçadas nas estradas modernas. Para colecionadores, ele não é história: é o próximo capítulo de uma saga imortal.