MERCEDES 22/50 HP OPEN TOURER 1915: POTÊNCIA, ELEGÂNCIA E RESISTÊNCIA EM TEMPOS DE GUERRA
No início do século XX, o nome Mercedes já havia se tornado sinônimo de inovação e distinção. Criada a partir da fusão entre as ideias de Gottlieb Daimler e Carl Benz, a marca representava o auge da engenharia alemã - e um novo ideal de mobilidade que mesclava luxo e desempenho. Em 1915, em pleno cenário turbulento da Primeira Guerra Mundial, a Mercedes-Benz (ainda sob o nome Daimler-Motoren-Gesellschaft) lançou o Mercedes 22/50 HP Open Tourer, um automóvel que combinava força mecânica, elegância aristocrática e uma robustez que o tornaria lendário.
O contexto de uma era conturbada
O ano de 1915 não parecia propício ao lançamento de carros de passeio. As fábricas da DMG estavam voltadas majoritariamente à produção militar - caminhões, ambulâncias e veículos utilitários para o exército alemão. Ainda assim, uma pequena fração da produção civil foi mantida, atendendo à elite que podia se dar ao luxo de possuir um automóvel mesmo em tempos de escassez.
Foi nesse contexto que nasceu o Mercedes 22/50 HP, uma das últimas expressões do luxo automotivo europeu antes que o continente mergulhasse por completo no esforço de guerra. O modelo não era apenas um carro: era um testemunho da engenharia de precisão e da estética imponente que definiriam a Mercedes nas décadas seguintes.
Design e construção artesanal
O 22/50 HP apresentava a típica configuração dos grandes automóveis de turismo da época: um chassi longo e elevado, com rodas grandes e carroceria aberta - o famoso Open Tourer, que acomodava de quatro a seis passageiros. O estilo era marcado por proporções majestosas e por uma elegância funcional: para-lamas destacados, faróis acetilênicos circulares, estribos laterais largos e uma traseira suavemente inclinada.
A carroceria era geralmente produzida por coachbuilders de prestígio, como a Neuss, Papler ou Erdmann & Rossi, que trabalhavam sob encomenda de cada cliente. Assim, não havia dois Mercedes 22/50 HP exatamente iguais - cada exemplar era uma peça única, moldada à mão, com interiores em couro natural e detalhes em madeira envernizada.
A capota conversível de lona, típica dos ‘tourers’ da época, podia ser recolhida manualmente, revelando uma cabine arejada e uma posição de condução elevada, que oferecia ao condutor uma visão privilegiada da estrada - ou do campo, como era comum nos grandes passeios automobilísticos da elite europeia.
Mecânica de vanguarda
Sob o longo capô estava o verdadeiro coração da máquina: um motor de 6 cilindros em linha, com 5.720 cm³ de cilindrada, entregando 50 cv de potência - daí o nome ‘22/50 HP’, no qual ‘22’ representava a potência fiscal (segundo o cálculo alemão da época) e ‘50’ a potência real.
Esse motor, alimentado por carburadores Zenith e refrigerado a água, permitia ao carro atingir velocidades próximas dos 110 km/h, um feito notável para um automóvel de 1915 com mais de duas toneladas. A transmissão manual de 4 velocidades e a tração traseira garantiam uma condução robusta, ainda que exigisse força e técnica - afinal, era uma época em que dirigir era uma arte reservada a poucos.
O sistema de freios era igualmente característico de sua era: freios mecânicos nas rodas traseiras e um freio de estacionamento por cinta no eixo de transmissão. Apesar da simplicidade em comparação aos padrões modernos, o conjunto demonstrava a confiabilidade típica dos Mercedes da época.
Luxo em meio à austeridade
O interior refletia o gosto refinado da aristocracia alemã. O painel, minimalista e funcional, exibia grandes instrumentos circulares em latão polido. O volante de madeira, de grandes dimensões, comandava a direção precisa, enquanto os bancos envolventes garantiam conforto surpreendente. Muitos exemplares traziam também porta-malas externos e compartimentos laterais para ferramentas, em um charme prático típico dos carros de turismo da era edwardiana.
Mesmo com a guerra em curso, a produção do 22/50 HP manteve-se em números limitadíssimos. Cada unidade era um símbolo de status e poder, um lembrete de tempos mais estáveis - e de que o luxo podia resistir mesmo nas épocas mais sombrias.
O legado de um pioneiro
Após o fim da Primeira Guerra, em 1918, poucos Mercedes 22/50 HP sobreviveram em estado original. Muitos foram convertidos em veículos de uso militar, ambulâncias ou até destruídos nas batalhas. Os poucos exemplares remanescentes hoje pertencem a museus e coleções privadas, onde são preservados como relíquias do período mais artesanal e heroico da engenharia automotiva alemã.
Mas o impacto do modelo foi duradouro. Ele serviu de base conceitual e mecânica para os Mercedes da década de 1920 - especialmente o 28/95 HP, que incorporou avanços técnicos diretos do 22/50. Mais do que um automóvel, o Mercedes 22/50 HP Open Tourer simbolizou o renascimento da engenharia de luxo, mesmo em tempos de incerteza.
O rugido de um tempo distante
Hoje, contemplar um Mercedes 22/50 HP é como abrir uma janela para um passado em que o automóvel era sinônimo de conquista e status. Cada curva, cada peça de metal e cada linha da carroceria contam a história de uma época em que o homem e a máquina descobriam juntos o significado de liberdade.
O som grave de seu motor, a posição ereta de condução e o brilho das superfícies metálicas parecem lembrar que, mesmo em 1915, quando o mundo enfrentava seus dias mais sombrios, a elegância e a engenharia alemãs jamais deixaram de avançar.