O GIGANTE ESQUECIDO DAS ESTRADAS AMERICANAS: O HEINE-VELOX V12 DE 1921, UM SONHO DE LUXO QUE DESAFIOU O TEMPO
Em uma era de motores rugindo e inovações ousadas, quando o automóvel ainda era um símbolo de audácia para os ricos e famosos, surgiu um colosso mecânico que prometia redefinir o luxo sobre rodas: o Heine-Velox V12 de 1921. Projetado por um imigrante alemão com mãos de inventor e coração de visionário, esse carro não era apenas um veículo - era uma declaração de independência contra os titãs de Detroit. Mas, como tantos sonhos da Roaring Twenties, sua história é marcada por glória efêmera e um legado sussurrado nos salões de leilões e museus.
Imagine a cena: novembro de 1921, o San Francisco Auto Show fervilha de curiosos e magnatas do petróleo. No centro do pavilhão, um sedan de linhas baixas e imponentes surge como um predador adormecido. Com seu chassi de 3.760 mm de entre-eixos - equivalente a quase quatro metros de comprimento -, o Heine-Velox V12 baixa-se dramaticamente sobre o chão, graças a uma carroceria montada nas laterais do chassi, em vez de no topo. Essa engenhosidade, inspirada nas raízes automotivas de seu criador, baixa o centro de gravidade, melhora a estabilidade em curvas e facilita o acesso ao interior suntuoso. Os faróis, empoleirados nos para-lamas como olhos de um besouro gigante, alternam entre feixes alto e baixo com um simples interruptor, iluminando o caminho para uma era de sofisticação mecânica.
No comando dessa fera encontra-se um motor V12 de 6.6 litros fabricado pela Weidely Motor Company, de Indianapolis - um prodígio de George Weidely, engenheiro que também projetou propulsores para corridas e até aviões. Com 115 cv a seu dispor, o V12 entrega uma aceleração suave e veloz, capaz de ultrapassar os 160 km/h, rivalizando com os Duesenbergs da época. Equipado com partida elétrica e um sistema de ignição a frio ativado pelo painel - uma raridade em 1921 -, o motor soa como um piano de cauda, ecoando as origens musicais de seu pai. A transmissão manual de 4 velocidades, aliada a freios hidráulicos Bendix em todas as rodas, garante controle preciso, enquanto rodas de arame de 21 polegadas e suspensão independente na frente com molas helicoidais absorvem os solavancos das estradas californianas.
Mas o verdadeiro luxo reside no interior: um compartimento para sete passageiros, forrado em couro premium e mogno polido, com janelas que giram em ângulos variados para ventilação personalizada - traváveis para o conforto em dias quentes ou chuvosos. No modelo limusine, um divisor de vidro separa os ocupantes dos bancos dianteiros, e um microfone permite comandos enviados ao chofer, como se o carro fosse uma extensão da mansão do proprietário. Preço? Um exorbitante valor de 6.500 dólares na versão base, mas versões como a Sporting Victoria chegavam a 25.000 dólares - mais que o dobro de um Rolls-Royce Silver Ghost, tornando-o o carro mais caro dos Estados Unidos na época. Era um brinquedo para Hollywood e para os barões da Costa Oeste, não para as massas.
A mente por trás dessa obra é Gustav Otto Ludolf Heine, nascido em 1868 perto de Boizenburg, na Alemanha, e radicado em San Francisco desde os anos 1890. De varredor de pisos na Bruenn Piano Company a dono da Heine Piano, que dominava o mercado de pianolas e instrumentos de luxo, Heine era um autodidata com fome de inovação. Em 1903, ele abriu uma das primeiras concessionárias Ford na Costa Oeste e construiu três protótipos de carros entre 1904 e 1906. Mas o terremoto de San Francisco em 1906 destruiu seus sonhos automotivos, forçando-o a reconstruir o império dos pianos. Anos depois, em 1920, Heine comprou a Economy Steel Manufacturing Company, uma siderúrgica local, e fundou a Heine-Velox Engineering. Com a colaboração do designer Al Hall e componentes da Hall-Scott, ele ressuscitou sua paixão: cerca de 400 unidades foram montadas à mão até 1924, todas em San Francisco.
O lançamento foi um sucesso inicial. Revistas como Motor Age exaltavam sua ‘engenharia alemã-americana’, e Heine, aos 53 anos, pilotava protótipos em corridas locais para demonstrar sua agilidade. Mas o timing foi cruel: a recessão de 1921-1922 secou os bolsos da elite, e rumores de superaquecimento no V12 - apesar de garantias vitalícias em peças - espantaram compradores. Rivais como Packard e Cadillac ofereciam luxo similar por menos, e a produção artesanal limitava a escala. Em 1924, Heine virou para aviões e barcos, deixando o automóvel para trás. Gustav faleceu em 1949, aos 81, com seu legado fragmentado em menos de 20 sobreviventes, muitos em museus como o Fountainhead Antique Auto em Fairbanks, Alasca.
Hoje, um Heine-Velox V12 restaurado pode chegar a 250.000 dólares em leilões, um testemunho de sua raridade e pioneirismo. Em um mundo de elétricos e autônomos, ele nos lembra que o verdadeiro espírito automotivo nasceu de inventores como Heine: ousados, excêntricos e eternamente à frente de seu tempo. Quem diria que um piano poderia inspirar o rugido de um V12?