O NASCIMENTO DO KIA SOUL: COMO O CONCEPT DE 2006 REVOLUCIONOU O DESIGN DA MARCA COREANA
Em uma era em que os SUVs começavam a dominar as ruas, mas os consumidores urbanos clamavam por algo mais acessível, divertido e prático, a KIA Motors deu um passo ousado. Era janeiro de 2006, e o Salão de Detroit, nos Estados Unidos, servia de palco para a estreia de um conceito que capturaria a essência da juventude moderna: o KIA Soul Concept. Projetado para injetar ‘alma’ no portfólio do fabricante coreano, esse veículo boxy e irreverente não era apenas um protótipo - era o prenúncio de um ícone global que, quase duas décadas depois, ainda ecoa nas concessionárias, mesmo com o adeus à sua terceira geração em 2025.
A história do Soul Concept remonta ao início de 2005, quando Mike Torpey, um jovem designer recém-integrado à equipe da KIA em Irvine, na Califórnia, foi enviado à sede em Seul para brainstormings intensos. Inspirado por um documentário sobre javalis - animais selvagens e simbólicos na cultura coreana, conhecidos por sua força e adaptabilidade -, Torpey rabiscou um esboço inicial: um javali caricatural com uma mochila nas costas, evocando a ideia de um companheiro urbano aventureiro. “Queríamos dar vida ao design, injetar alma nele”, diria mais tarde Tom Kearns, chefe de design da KIA Motors America (KMA), destacando o trocadilho intencional com ‘Soul’ (alma em inglês), que também remete a ‘Seul’, a capital coreana e berço da KIA.
O conceito evoluiu rapidamente como uma colaboração transpacífica entre os estúdios de design da KIA na Califórnia e na Coreia do Sul. Seu visual era uma homenagem direta ao KIA Mesa Concept, apresentado no Salão de Detroit de 2005: um crossover utilitário (CUV, na sigla em inglês) com proporções quadradas, teto alto e linhas musculosas que maximizavam o espaço interno sem sacrificar a agilidade. O Soul Concept media cerca de 4 metros de comprimento, com portas suicidas nas laterais traseiras para facilitar o acesso aos bancos, faróis assimétricos integrados à grade frontal em um layout funcional e inspirado em pick-ups europeias, e um para-brisa panorâmico que conferia um ar atlético e futurista. As rodas musculosas e os arcos de roda proeminentes sugeriam robustez, enquanto o teto inclinado e os trilhos de bagageiro integrados prometiam versatilidade para a vida urbana - de carregar bicicletas a equipamentos de surf.
Sob o capô, o protótipo pulsava com um motor 2.0-litros de 4 cilindros em linha, acoplado a uma transmissão automática de 5 velocidades com modo manual e controle de cruzeiro adaptativo. Tração dianteira, claro, alinhada à proposta de um veículo acessível e eficiente, sem as complexidades de um todo-terreno. “É um carro para os jovens que querem algo com personalidade, não só transporte”, explicou Peter Schreyer, o lendário chefe de design da KIA, que assumira o cargo em 2006 e incorporaria elementos de propostas canceladas, como um SUV baseado na plataforma do Volkswagen Fox, ao DNA do Soul.
A recepção em Detroit foi eletrizante. Críticos e o público viram no Soul um contraponto aos hatches japoneses ‘caixa de sapatos’, como o Scion xB e o Nissan Cube, mas com um twist coreano: mais acessível, com toques de humor e uma promessa de inovação. A imprensa automotiva da época, como a Automotive News, o descreveu como ‘quirky’ (excêntrico), um sopro de ar fresco para uma KIA que, até então, lutava contra a imagem de montadora de veículos genéricos e baratos. O concept não era só bonito; era estratégico, mirando o segmento de crossovers subcompactos que explodiria nos anos seguintes.
Do conceito à realidade, o caminho foi pavimentado com sucesso. Em 2008, no Salão de Paris, a primeira geração de produção do Soul estreou, mantendo a essência boxy, mas com ajustes para o dia a dia: portas convencionais, tração simples e motores eficientes. Lançado no mercado europeu e norte-americano em 2009, o Soul vendeu milhões de unidades ao redor do mundo, evoluindo para versões elétricas (como o Soul EV de 2014) e edições esportivas. Ele pavimentou o caminho para a ‘era Schreyer’ na KIA, marcada pela ‘Grade de Tigre’ e designs ousados que transformaram a marca em sinônimo de valor e estilo.
Hoje, com a produção da terceira geração encerrada em outubro de 2025 - após 16 anos de cores vibrantes, vendas robustas e uma legião de fãs - , o Soul Concept de 2006 permanece como um marco. Em um mundo de SUVs eletrificados e autônomos, ele nos lembra que a verdadeira inovação começa com uma faísca de criatividade: um javali com mochila, uma alma coreana e um sonho de mobilidade urbana. Quem diria que um concept de Detroit moldaria gerações? O Soul não morreu; ele apenas evoluiu para o coração dos condutores que ainda buscam diversão sobre rodas.