O ÚLTIMO BRILHO DE UM SONHO TRANSATLÂNTICO: A SAGA DO GHIA L6.4
Em uma oficina da Carrozzeria Ghia, sob o comando do visionário Luigi Segre, um coupé de linhas elegantes tomava forma. Não era apenas um carro - era uma obra-prima, um símbolo do glamour dos anos 1960, onde a potência americana encontrava a sofisticação italiana. O Ghia L6.4, também conhecido como Dual-Ghia L6.4, nasceu de um sonho audacioso, mas sua história é tão breve quanto fascinante, marcada por ambição, luxo e um toque de tragédia.
Tudo começou com Eugene Casaroll, um empreendedor de Detroit que, na década de 1950, decidiu que a América merecia um carro que rivalizasse com os Rolls-Royce e Ferraris da elite. Casaroll, dono da Dual Motors Corporation, já havia surpreendido o mundo com o Dual-Ghia Convertible (1956-1958), um conversível que conquistou Hollywood - Frank Sinatra, Dean Martin e Ronald Reagan estavam entre seus proprietários. Mas o L6.4 seria diferente: um coupé hardtop, mais refinado, mais exclusivo, projetado para ser o ápice do luxo automotivo.
A receita era ousada. Casaroll enviava a essência mecânica americana - um motor Chrysler V8 6.3L de 335 cv, acoplado a uma transmissão TorqueFlite de 3 velocidades - para a Itália. Lá, na histórica Carrozzeria Ghia, os artesãos moldavam carrocerias de aço à mão, com faróis escamoteáveis que piscavam como olhos de um felino à espreita. O design, assinado por Segre, evocava os conceitos Chrysler Falcon dos anos 1950, mas com um toque europeu: linhas fluidas, uma grade cromada imponente e, em algumas unidades, faróis retangulares que sinalizavam a modernidade dos anos 1960. No interior, couro Connolly e madeira polida criavam um ambiente digno de um iate de luxo.
Porém, o L6.4 não era apenas um carro - era um processo. Diferente de seu antecessor, que usava chassi Dodge enviados aos EUA para acabamento, o L6.4 era construído inteiramente na Itália, um feito que elevava sua exclusividade, mas também seu preço: cerca de 13.500 dólares, equivalente a 150.000 dólares hoje. Apenas 26 unidades foram produzidas entre 1961 e 1964, cada uma quase sob medida, com detalhes que variavam conforme o desejo dos compradores - de faróis redondos, clássicos, a retangulares, mais ousados.
O carro era um ímã para os ricos e famosos. Sinatra, sempre um fã da Dual-Ghia, exibia seu L6.4 em Beverly Hills, enquanto colecionadores europeus cobiçavam as unidades finais, vendidas diretamente pela Ghia após a falência da Dual Motors em 1962. Sim, porque o sonho de Casaroll tinha um calcanhar de Aquiles: o custo. A produção artesanal e a logística transatlântica tornavam o L6.4 insustentável. Quando a Dual Motors colapsou, a Ghia assumiu o projeto, mas o mercado já estava mudando. Carros como o Ford Mustang, lançados em 1964, ofereciam estilo e desempenho a preços acessíveis, enquanto o L6.4 permanecia um luxo inalcançável.
As últimas unidades, marcadas apenas como ‘Ghia L6.4’, saíram da fábrica em 1964, com emblemas que dispensavam o nome ‘Dual’. Mas o mundo automotivo já olhava para o futuro, e o L6.4, com sua produção de apenas 26 carros, tornou-se uma nota de rodapé na história - ou, para os entusiastas, uma lenda. Hoje, estima-se que 17 a 20 unidades sobrevivam, cada uma valendo até 600.000 dólares em leilões, cobiçadas por colecionadores que veem nelas o auge de uma era de opulência.
O Ghia L6.4 não foi apenas um carro; foi o epílogo de uma colaboração improvável entre Detroit e Turin, entre a força bruta americana e a elegância artesanal italiana. Seus faróis, redondos ou retangulares, ainda brilham em museus e garagens de colecionadores, como um lembrete de que, às vezes, os sonhos mais grandiosos são também os mais efêmeros.