A Leyland Motors é um ícone da engenharia britânica, cujas raízes se entrelaçam com a revolução industrial e a ascensão da indústria automotiva no Reino Unido. Fundada no final do século XIX, a empresa evoluiu de um fabricante de veículos a vapor para um gigante global de caminhões, ônibus e automóveis, marcada por inovações, fusões turbulentas e desafios econômicos. Sua trajetória reflete as glórias e as quedas da manufatura britânica, culminando em legados duradouros na Índia e na Europa. Vamos conhecer a sua história de forma cronológica.
Origens e Primeiros Passos (1896-1920)
Tudo começou em 1896, em Leyland, Lancashire, Inglaterra, quando as famílias Sumner e Spurrier fundaram a Lancashire Steam Motor Company. Inicialmente focada em cortadores de grama a vapor, a empresa rapidamente se voltou para veículos comerciais. Seu primeiro produto foi uma van a vapor de 1.5 toneladas de capacidade, seguida por caminhões a vapor do tipo ‘undertype’ com caldeiras de tubos verticais. Em 1905, a Leyland começou a produzir caminhões movidos a gasolina, marcando a transição para motores de combustão interna.
Em 1907, após adquirir a Coulthards of Preston - um fabricante de caminhões a vapor desde 1897 -, a companhia mudou seu nome para Leyland Motors e inaugurou uma segunda fábrica em Chorley, que mais tarde se tornaria sede de operações de leasing e peças. Três gerações da família Spurrier lideraram a empresa até a aposentadoria de Henry Spurrier em 1964. Na década de 1920, a Leyland diversificou-se para o setor de luxo com o Leyland Eight, um carro de turismo de alto desempenho desenvolvido e pilotado por J.G. Parry-Thomas no circuito de Brooklands. Infelizmente, Parry-Thomas faleceu em 1927 ao tentar o recorde mundial de velocidade terrestre com o carro Babs - um incidente que, anos depois, foi esclarecido como não decorrente de falha na transmissão por corrente. Além disso, entre 1922 e 1928, a empresa produziu o Trojan Utility Car em uma fábrica em Kingston upon Thames, Londres.
Era da Guerra e Reconstrução Pós-Guerra (1939-1950)
A Segunda Guerra Mundial transformou a Leyland em uma potência de produção bélica. A partir de 1943, ela fabricou o tanque Cromwell e caminhões médios e pesados como o Hippo e o Retriever. Após o conflito, continuou com o tanque Centurion. Em 1946, em parceria com a AEC (Associated Equipment Company), formou a British United Traction para produzir trolleybuses. No ano seguinte, em 1948, lançou o Leyland Beaver, um caminhão de carga plana que se tornou um clássico.
Na década de 1950, a expansão internacional ganhou força. Em 1955, por meio de um acordo de equidade, a Leyland licenciou a produção de veículos comerciais em Madras, na Índia, na nova fábrica de Ashok - dando origem à Ashok Leyland, que hoje é um dos maiores fabricantes de caminhões e ônibus do mundo.
Expansão Agressiva e Aquisições (1960)
Sob a liderança de Donald Stokes, nomeado diretor-gerente em 1962 e presidente em 1966, a Leyland Motors viveu um período de crescimento explosivo. Em 1960, adquiriu a Triumph Motor Company, entrando no mercado de automóveis de passeio. Em 1967, comprou a Rover Company, diversificando ainda mais seu portfólio. Motores diesel da Leyland foram licenciados para uso em caminhões e ônibus finlandeses, como os da Sisu e Vanaja. Foi nessa década que se formou a Leyland Motor Corporation como holding para gerenciar essas aquisições.
Fusões, Nacionalização e Crises (1968-1970)
O ápice - e o início do declínio - veio em 1968, com a fusão da Leyland Motors com a British Motor Holdings (BMH), que incluía a British Motor Corporation (BMC), Pressed Steel Company e Jaguar Cars. O resultado foi a British Leyland Motor Corporation (BLMC), um colosso que reunia marcas icônicas como Daimler, Guy, Austin, MG e Morris. No entanto, problemas de gestão, sobreposição de produtos e dificuldades financeiras levaram a uma garantia governamental em dezembro de 1974.
Em 1975, após o Relatório Ryder e a falência iminente, o governo britânico nacionalizou a BLMC, renomeando-a para British Leyland (BL). A empresa foi reorganizada em quatro divisões, com a produção de ônibus e caminhões sob a Leyland Truck & Bus, dentro do grupo Land Rover Leyland.
Reestruturação e Desafios dos Anos 1980
Os anos 1980 foram turbulentos. Em 1981, a divisão Leyland Truck & Bus se dividiu em Leyland Bus e Leyland Trucks. A queda nas exportações para mercados como a Nigéria, dependentes de petróleo, agravou as perdas. Em 1986, a BL se renomeou Rover Group, priorizando a marca Rover, e vendeu sua participação na Ashok Leyland para a Land Rover Leyland International Holdings. O fechamento da planta de caminhões pesados da Bedford Vehicles impactou a Leyland, que planejava fornecer eixos e componentes.
Em 1987, a Leyland Trucks se fundiu com a holandesa DAF Trucks, formando a DAF NV (comercializada como Leyland DAF no Reino Unido), com fábricas em Eindhoven, Leyland e Washwood Heath. Já a divisão de ônibus passou por um management buyout, tornando-se Leyland Bus, que foi adquirida pela Volvo em 1988. A Volvo descontinuou a maioria dos produtos, mas manteve e aprimorou o Leyland Olympian como Volvo Olympian.
Legado Moderno e Expansão Global (1990-Atualidade)
A DAF NV faliu em 1993, levando a um novo management buyout: a planta de Eindhoven renasceu como DAF Trucks, a de Leyland como Leyland Trucks, e a de vans em Washwood Heath como LDV (que operou até 2009). As operações de peças de reposição formaram a Multipart Solutions, parte da LEX. Em 1996/1998, tanto a DAF quanto a Leyland Trucks foram adquiridas pela Paccar, empresa americana. Hoje, a Leyland Trucks opera como divisão da Paccar na planta de montagem de Leyland, produzindo cerca de 14 mil caminhões por ano - um terço vendidos na UE sob a marca DAF.
O braço indiano, Ashok Leyland, foi comprado pelo Grupo Hinduja em 1987 e se tornou líder no setor de transporte pesado na Índia, expandindo para o subcontinente, África e Europa (via aquisição da Avia, fabricante checa de caminhões). Em 2010, adquiriu 26% da Optare, fabricante britânico de ônibus, elevando para 75% em 2011, reconectando-se às raízes em ônibus.
Produtos Icônicos e Contribuições Culturais
A Leyland foi pioneira em designs de chassis para ônibus, com níveis mais baixos para facilitar o embarque, graças ao designer George John Rackham (ex-Yellow Coach Company). Modelos notáveis incluem os ônibus Titan e Tiger (1927), o Atlantean de dois andares com motor traseiro (1956-1986) e caminhões como o Beaver (1948), Comet, Ergomatic (1966) e Roadtrain (1980-1990, usado pelo exército britânico). Em 1977, produziu o filme educativo ‘The Quality Connection’, com atores como David Suchet, destacando controle de qualidade.
A história da Leyland Motors é uma saga de inovação e resiliência, influenciando a mobilidade global mesmo após sua dissolução como entidade única. De veículos a vapor a parcerias transnacionais, ela permanece um pilar da herança automotiva britânica.