A história da Doretti está intimamente ligada à Swallow Coachbuilding Company, uma empresa britânica que marcou o início da era dos automóveis esportivos de luxo no Reino Unido. Fundada em 1922 por William Walmsley e William Lyons em Blackpool, Inglaterra, a Swallow começou como um fabricante de sidecars para motocicletas, aproveitando a expertise em coachbuilding (construção de carrocerias personalizadas). Seu nome evocava a imagem das andorinhas (swallows, em inglês), aves conhecidas por sua determinação e graça em voo, simbolizando elegância e performance. Nos anos 1930, a empresa expandiu-se para o setor automotivo, produzindo carrocerias para modelos como o Austin Seven, mas enfrentou dificuldades durante a Grande Depressão.
Em 1933, Lyons comprou a participação de Walmsley e rebatizou a divisão de carros como SS Cars Limited, lançando os icônicos SS 1 e SS 2. Com o risco de associações negativas com as SS nazistas na véspera da Segunda Guerra Mundial, o nome foi alterado para Jaguar em 1945. Nesse mesmo ano, Lyons vendeu a Swallow Coachbuilding Company (a divisão original de coachbuilding) para o Helliwell Group, que por sua vez foi incorporado ao Tube Investments Group (TI Group), um conglomerado industrial fundado em 1919 e especializado em tubos de aço sem costura, componentes para bicicletas (como a Reynolds) e suprimentos para a indústria automotiva. A Swallow, agora sob o guarda-chuva do TI, continuou operando em Coventry, mas com foco em carrocerias personalizadas, enfrentando declínio nas vendas pós-guerra.
Foi nesse contexto de reinvenção que surgiu o Swallow Doretti, o único automóvel completo produzido pela Swallow sob a égide do TI Group. O projeto nasceu em 1952, como uma resposta estratégica à crescente demanda por carros esportivos acessíveis no mercado americano, impulsionada pelo sucesso de modelos como o Triumph TR2 e o MG. O designer Frank Rainbow, da Swallow, refinou um conceito inicial de Eric Saunders (do TI), criando um roadster de dois lugares com carroceria de alumínio elegante, inspirada em ícones como a Ferrari F166 MM Barchetta e o Austin-Healey 100. O chassi tubular, feito de aço Reynolds 531 (liga de manganês-molibdênio de médio carbono), era exclusivo da Swallow: 7 polegadas (178 mm) mais longo e 3 polegadas (76 mm) mais largo que o do TR2, melhorando a estabilidade e o conforto, embora sacrificasse um pouco de espaço no porta-malas e nas pernas dos ocupantes.
Mecanicamente, o Doretti dependia dos componentes do Triumph TR2: motor de 1.991 cc inline-4 aspirado (90 cv a 4.800 rpm, com carburadores duplos SU), transmissão manual de 4 velocidades, suspensão dianteira com molas helicoidais e eixo rígido traseiro com freios a tambor nas quatro rodas. Algumas unidades raras foram superalimentadas, alcançando velocidades acima de 160 km/h com overdrive elétrico. O nome ‘Doretti’ era uma homenagem carinhosa: veio da filha de Arthur Andersen, distribuidor da Triumph na Califórnia do Sul - Dorothy ‘Doretti’ Deen, que dirigia um negócio de acessórios para carros esportivos.
A estreia mundial do Swallow Doretti ocorreu em 7 de janeiro de 1954, no Ambassador Hotel, em Los Angeles, organizada por Andersen. O evento foi um sucesso estrondoso: dois protótipos foram exibidos, atraindo elogios da imprensa e do público por sua sofisticação refinada em comparação aos rivais mais rústicos. A produção começou imediatamente em Coventry, com uma equipe de apenas 18 artesãos montando 5 carros por semana - um processo artesanal que destacava a herança de ‘cottage industry’ britânica. O preço inicial era de 1.102 libras esterlinas (cerca de 3.000 dólares na época), posicionando-o entre o TR2 (887 libras esterlinas) e o Healey 100, com equipamentos padrão como bancos de couro, capota conversível e acabamentos cromados.
Apesar do entusiasmo inicial - com vendas rápidas nos EUA, onde a maioria das unidades foi exportada -, o futuro do Doretti foi curto. Em fevereiro de 1955, após apenas 10 meses e 276 exemplares produzidos (dos quais metade foi para a América), a produção foi abruptamente interrompida. O motivo oficial era ‘baixas vendas’, mas evidências apontam para pressões políticas da indústria britânica. O TI Group fornecia componentes essenciais (como para-choques e fechaduras de portas) para a Jaguar e outras montadoras. Um memorando da Jaguar ameaçava buscar fornecedores alternativos se o Doretti continuasse, criando um conflito de interesses que o TI não pôde ignorar. Alegadamente, rivais como a Jaguar viam o Doretti como uma ameaça direta, dada sua similaridade estilística e o potencial de canibalizar vendas.
O Swallow Doretti tornou-se, assim, uma nota de rodapé fascinante na história dos esportivos britânicos: um carro de linhas fluidas e performance equilibrada, vítima de seu próprio sucesso e das intrigas corporativas. Hoje, estima-se que apenas 80 unidades sobrevivam, tornando-o um item de colecionador raro e valorizado. Entusiastas o celebram não como um fracasso, mas como um ‘milagre efêmero’ - um lembrete da inovação audaciosa da Swallow, que pavimentou o caminho para lendas como a Jaguar. Se você tiver a chance de ver um em um leilão ou museu, pare e aprecie: é um pedaço de história sobre rodas, tão ágil e determinado quanto as andorinhas que inspiraram seu nome.