A Deutsch-Bonnet (DB) foi um fabricante francês de automóveis esportivos que marcou época no mundo das corridas e da engenharia automotiva.
Origens e Fundação
A história da Deutsch-Bonnet começa no início do século XX, na França, um berço de inovações automotivas. Charles Deutsch, nascido em 6 de setembro de 1911, era um engenheiro formado pela prestigiada École Polytechnique e um entusiasta de design de carrocerias. Aos 14 anos, ele já projetava seu primeiro carro na oficina de seu pai, em Champigny-sur-Marne, perto de Paris. Essa oficina familiar, especializada em carrocerias personalizadas, foi vendida por Charles a René Bonnet em 1932. Bonnet, um engenheiro autodidata e apaixonado por competições automobilísticas, assumiu o negócio, mas a parceria entre os dois só se formalizaria anos depois.
Em 1937-1938, Deutsch e Bonnet uniram forças para criar a marca Deutsch-Bonnet (DB), inicialmente focada em veículos de corrida e especiais baseados em componentes de Citroën, como o Traction Avant 11CV. O objetivo era construir carros leves e aerodinâmicos para competições. No entanto, a Segunda Guerra Mundial interrompeu os projetos, forçando os fundadores a pausar suas ambições até o pós-guerra.
Pós-Guerra e Formação Oficial
Com o fim da guerra em 1945, Deutsch e Bonnet retomaram o trabalho. Seus dois ‘especiais’ baseados em Citroën foram os únicos carros pós-guerra a competir na primeira corrida francesa, em Paris, terminando em posições de destaque. Em 1947, a empresa foi oficialmente fundada como Automobiles Deutsch & Bonnet (ou simplesmente DB a partir desse ano), ainda em Champigny-sur-Marne. Eles lançaram o DB7, um carro de rodas abertas para corridas, precedido pelo pesado DB6, que teve pouca ação.
A escassez de motores Citroën levou a uma mudança estratégica: a adoção de motores boxer refrigerados a ar da Panhard (como o do Dyna X), que permitiam tração dianteira e designs compactos. Isso resultou em carros leves e eficientes, ideais para corridas de pequeno deslocamento. Em 1949, a DB estreou nas 24 Horas de Le Mans com um modelo ‘tanque’ movido a Citroën, marcando o início de uma era de sucessos em circuitos internacionais.
Os anos 1950 foram o auge da DB. Eles se especializaram em coupés e roadsters aerodinâmicos, com carrocerias de fibra de vidro inovadoras (uma das primeiras em produção em série, após o Corvette da Chevrolet). O modelo HBR5 (1954-1959) foi o mais bem-sucedido, com centenas de unidades produzidas. Equipado com um motor Panhard de 850-900 cc (cerca de 50-65 cv), o HBR5 pesava apenas 635 kg, alcançando velocidades acima de 160 km/h. Ele ganhou o Índice de Desempenho em Le Mans várias vezes (1953-1956, 1959-1960) e vitórias em classe na Mille Miglia (cinco consecutivas de 1953-1957), Sebring (quatro vitórias: 1953, 1954, 1956, 1959) e Tourist Trophy (1953 e 1955). René Bonnet em pessoa, ao lado do lendário Élie Bayol, terminou em 10º nas 24 Horas de Le Mans de 1954.
Outros modelos notáveis incluem o Monomill (1954), uma série de monopostos para Fórmula III com motor Panhard de 850 cc, e o Le Mans (1958-1964), um conversível 2/2 mais acessível para o mercado de rua. A DB também brilhou no rally, com o príncipe Rainier de Mônaco pilotando um DB no Tour de France Automobile, o que aumentou a fama da marca. Nos EUA, os DB dominaram a categoria H-Sports da SCCA, acumulando vitórias impressionantes.
Inovações e Desafios
A DB era pioneira em aerodinâmica: Charles Deutsch, com sua expertise em engenharia de pontes e estradas (ele era servidor público, o que exigia parcerias ‘não oficiais’), projetava carrocerias com coeficientes de arrasto baixos (Cd), usando efeito solo décadas antes de marcas como Chaparral. As carrocerias de fibra de vidro, produzidas inicialmente pela Chausson e depois pela própria DB, reduziam o peso e melhoravam o desempenho. Eles também experimentaram com tração dianteira e, mais tarde, conceitos de motor central.
No entanto, divergências internas surgiram. Deutsch defendia a lealdade aos motores Panhard e tração dianteira, enquanto Bonnet preferia motores Renault e layouts de motor central para maior equilíbrio. Essas discussões sobre o futuro da empresa - tração dianteira versus motor central - criaram tensões crescentes.
Declínio e Legado
Em 1961, as diferenças culminaram na dissolução da parceria. Charles Deutsch saiu para fundar sua própria empresa, CD (Société d’Études et de Réalisations Automobiles - Charles Deutsch), continuando com motores Panhard e lançando modelos como o CD Dyna. René Bonnet formou a Automobiles René Bonnet, focando em carros de motor central com unidades Renault, como o Djet (lançado em 1962, com 198 unidades vendidas até 1964). O Djet, equipado com motor Renault de 1.108 cc, é lembrado como precursor dos Matra, pois a empresa de Bonnet foi absorvida pela Matra em 1964, dando origem à divisão Matra Automobiles. André Moynet, amigo de Bonnet e ex-piloto, ajudou na transição.
A DB original encerrou as operações em 1962, após produzir menos de 2.000 carros no total (incluindo cerca de 660 HBR e versões). Apesar da produção limitada, o legado é imenso: a DB revolucionou os carros de pequeno deslocamento, vencendo mais corridas internacionais em sua classe do que qualquer outro fabricante sub-1 litro na história. Seus designs influenciaram a engenharia francesa, e modelos como o HBR5 ainda são colecionáveis raros, valorizados por entusiastas de clássicos.
Hoje, a DB é celebrada em museus como o Lane Motor Museum (EUA) e por clubes de entusiastas na França. Charles Deutsch continuou como consultor, contribuindo para o circuito de Bugatti em Le Mans, enquanto Bonnet viu seu Djet evoluir para ícones como o Matra Djet. A marca DB permanece um símbolo de inovação, paixão e o espírito das corridas francesas do pós-guerra.